Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Indústrias deram lugar a explicações e pedidos de paciência ao povo cubano. Ficou claro<br />
para todos, como o próprio Che disse num discurso na TV cubana, que ele havia traçado<br />
“um plano absurdo, desligado da realidade, com metas inatingíveis e prevendo recursos<br />
que não passavam de um sonho”. 65 A partir de 1963, as divagações sobre a catástrofe da<br />
economia se tornaram frequentes. “Para um país com a economia baseada na<br />
monocultura, querer 15% de crescimento era simplesmente ridículo”, disse. “Cometemos<br />
o erro fundamental de desprezar a cana-de-açúcar.” Os problemas vinham de longe: já<br />
em 1961 ele se mostra perdido na crença de que uma pessoa poderia controlar a<br />
produção de tudo:<br />
Agora há pouco, vocês me receberam com um aplauso forte e caloroso. Não sei se foi como consumidores ou<br />
simplesmente como cúmplices. Acho que foi mais como cúmplices. Cometeram-se erros nas indústrias que resultaram<br />
em falhas consideráveis no abastecimento da população. [...] Atualmente há escassez de pasta de dentes. É preciso<br />
saber por quê. Há quatro meses, houve paralisação da produção. Mas ainda havia algum estoque. Não foram adotadas<br />
as medidas urgentes que eram necessárias justamente porque o estoque era grande. Mas logo o estoque começou a<br />
baixar, e as matérias-primas não chegaram. Até que chegou a matéria-prima, um sulfato de cálcio fora das<br />
especificações. 66<br />
Quem sustentou a ineficiente economia da ilha e ajudou a prolongar o sistema por<br />
décadas foi a União Soviética. O bloco socialista passou a comprar a produção de<br />
açúcar, criando um mercado garantido no longo prazo, e deu um crédito quase infinito<br />
para Cuba reorganizar suas contas externas – e comprar pasta de dente. Com a mesada<br />
vinda do leste, os planos de industrialização ficaram para trás. Che, que reclamava da<br />
dependência econômica dos Estados Unidos, teve de aturar a dependência econômica da<br />
URSS. Tratava os oficiais soviéticos com pavio curto – chegou a estender uma pistola a<br />
um intérprete soviético e sugerir que ele se suicidasse 67 – e insistia em acreditar que<br />
resolveria os problemas econômicos discursando aos trabalhadores nas fábricas. Isolado<br />
do governo, passou a viajar cada vez mais e, em 1965, foi para a África tentar implantar<br />
outra revolução comunista.<br />
Se a economia cubana ficou às moscas naquela época, piorou muito nos anos 90, com<br />
o fim do comunismo no Leste Europeu. A produção de açúcar, antes da revolução uma<br />
das mais dinâmicas do mundo, não conseguia mais competir com a agricultura<br />
modernizada dos vizinhos. Um detalhado estudo de 1998 mostrou que Cuba foi um dos<br />
raros países da América Latina onde o consumo de alimentos diminuiu em quatro<br />
décadas. Em 1950, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas, Cuba<br />
estava em terceiro no ranking da América Latina de consumo per capita de calorias. A<br />
partir de então, enquanto o consumo entre os colombianos passou de 2 mil para 2.800<br />
calorias diárias, os cubanos passaram de 2.700 para 2.300 calorias. Também caiu o<br />
consumo de cereais e verduras por habitante, e o de carnes teve uma queda assustadora<br />
de 33 para 23 quilos por ano. Foi assim em toda a economia. Enquanto novos membros<br />
da classe média do resto da América Latina financiavam o primeiro carro zero, Cuba foi<br />
o único país em que o número de carros por habitantes caiu. 68<br />
Ainda hoje o problema persiste. As calorias de produtos animais caíram quase pela<br />
metade dos níveis de 1980. 69 Se na época de Che Guevara reclamava-se que Cuba tinha<br />
de importar produtos industrializados, hoje a ilha precisa comprar de fora até mesmo<br />
alimentos. Cerca de 80% do que os cubanos comem vem de fora. O grande vilão