Guia Politicamente Incorreto Da - Leandro Narloch
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Também valia partir para a batalha. Diversos espanhóis foram atacados por outros<br />
espanhóis. Diego de Almagro, que havia passado de melhor amigo de Francisco Pizarro<br />
a seu grande adversário, foi decapitado em Cuzco, em 1538, por ordem de Hernando<br />
Pizarro, um dos três irmãos de Francisco a explorar a América. Três anos depois, Diego<br />
de Almagro, o filho, vingou-se da morte do pai executando Francisco Pizarro em Lima.<br />
Malinche teve um filho com Cortés, que ganhou o nome do avô, Martín. A índia chegou a morar com Cortés na<br />
mesma casa em que ele vivia com sua mulher espanhola.<br />
A precariedade e os perigos diminuíam tão logo os recém-chegados conseguissem<br />
fazer amizade com índios. Por isso, não demoravam a fazer concessões aos povos locais<br />
e se adaptar ao modo local de viver e guerrear. Ao pisar na América e perceber os<br />
conflitos entre as nações, logo se colocavam de um lado da briga. Como mandava o<br />
costume indígena, em que alianças políticas são alianças familiares, de sangue, os<br />
espanhóis casaram com diversas mulheres com o objetivo de obter o apoio local.<br />
“Apesar das mudanças trazidas pelo colonialismo, as cacicas continuaram a ter posições<br />
de autoridade e poder em suas comunidades”, conta o historiador Robinson Herrera. 115<br />
Formava-se assim uma elite de índios aliados que tinha tanto poder quanto alguns dos<br />
exploradores europeus. No México, a famosa índia Malinche, amante e tradutora de<br />
Cortés, trabalhou como braço-direito e conselheira do conquistador, ganhando o respeito<br />
dos outros espanhóis, que logo passaram a chamá-la de “Doña Marina”. Também havia<br />
nativas poderosas no Peru, como mostra um curioso episódio ocorrido em Cuzco no ano<br />
de 1536. Índias nobres reclamaram com Hernando Pizarro que algumas de suas roupas<br />
tinham sido roubadas por dois espanhóis. O conquistador agiu imediatamente. Mandou<br />
prender os dois suspeitos, homens subordinados a seu irmão, Juan Pizarro. Os acusados<br />
tiveram de armar uma pequena revolta para não serem presos, mas devolveram as peças<br />
roubadas. 116<br />
Os espanhóis costumavam manter líderes locais como reféns para evitar ataques. Como contou Gaspar de Marquina,<br />
um dos homens de Pizarro, numa carta ao pai, com a captura do senhor local, “um homem pode percorrer sozinho 500<br />
léguas sem ser morto”. 117<br />
Até mesmo a execução do imperador Atahualpa, em 1533, teve uma oculta influência<br />
desses aliados e familiares indígenas. O que raramente se conta sobre esse episódio tão<br />
lamentado é que houve um debate entre os exploradores sobre o que fazer: deveriam<br />
mesmo matar o imperador inca? O conquistador Francisco Pizarro era contra – preferia<br />
mantê-lo refém na longa viagem de Cajamarca até Cuzco, para facilitar a tomada de<br />
controle da capital dos incas. O imperador espanhol, Carlos V, tinha a mesma opinião.<br />
Seu tesoureiro, Pedro Riquelme, preocupado com a segurança do tesouro que havia sido<br />
arrecadado, mandou um funcionário escrever a Pizarro pedindo para que mantivesse<br />
Atahualpa vivo. Depois que a execução aconteceu, o rei considerou um ultraje a morte de<br />
um soberano e seu sepultamento terem ocorrido sem a cerimônia que ele merecia.<br />
A vontade real valeu menos que a de alguns índios e exploradores. Nos oito meses<br />
entre a captura e a execução de Atahualpa, os espanhóis estabeleceram uma boa<br />
convivência com os índios de Cajamarca. Os huancas, nativos que até então viviam sob<br />
domínio inca, não demoraram a se aliar aos espanhóis em represália a seus antigos<br />
senhores. Mulheres da corte, oficiais de elite inca (os “orejones”) e até parentes do<br />
imperador Atahualpa fizeram o mesmo. No meio de um território e de uma cultura pouco