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Indeterminação e Improvisação na Música Brasileira ... - CCRMA

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69<br />

O interessante é a posição em que tal expressão excedente se coloca dentro da<br />

composição: a parte que excede é sempre a penúltima, assim como tempos depois teríamos<br />

um Farinelli fazendo piruetas sonoras com uma respiração exatamente no penúltimo momento<br />

de uma obra, em uma espécie de grande êxtase sonoro antes do fechamento. Isso está<br />

presente em toda idéia de cadência, seja vocal ou instrumental: um júbilo transbordante,<br />

inflexão em que o cantor ou o instrumentista desdobra sonoridades mais livremente, podendo<br />

acessar uma parcela de sua inventividade. Uma fermata é colocada como uma espécie de<br />

consentimento ao tempo mais livre a ser operado pelo performer, que demonstra seus dotes<br />

performáticos sem que fuja do enquadramento da programação, já que a obra, via de regra,<br />

termi<strong>na</strong> com uma afirmação fi<strong>na</strong>l que não é do solista. Uma espécie de feitiço sobre a platéia é<br />

almejado, uma intenção de impressio<strong>na</strong>r pela volúpia dos gestos; esse tipo de apelo perdura<br />

até os dias de hoje, criando uma forte afinidade e um elo emotivo entre o público e o solista.<br />

Em outro plano, é bem conhecida também a crítica de Adorno ao gesto wagneriano do regente<br />

que envolveria todo um desejo de agradar e cativar o público, como uma espécie de<br />

publicitário. Por outro lado, outros críticos do barroco apontavam tal momento com desdém e<br />

muita ironia. Tosi chegou a escrever que a orquestra bocejava neste momento, enquanto o<br />

cantor, ou melhor, a Garganta, era acio<strong>na</strong>da, como um “galo tempestuoso num redemoinho de<br />

vento” 52 .<br />

Mas, desde muito antes, o cantochão serviria também de eixo seguro sobre o qual<br />

certas qualidades improvisadas gravitariam, mais ou menos livres ou dependentes do canto<br />

estabelecido. Vários tratados indicam como improvisar linhas melódicas em contraponto<br />

sobreposto ao cantus firmus. Em 1412, Prosdocimus Beldemandis mencio<strong>na</strong> duas formas de<br />

contraponto: o escrito e o executado (improvisado). Havia então um contraponto que se<br />

alimentava da experimentação, e o que era escrito não daria conta da prática. Na Itália, quase<br />

um século e meio mais tarde, Vicente Lusitano expõe um procedimento metodológico para<br />

aprender a improvisar sobre um cantus firmus. Zarlino, em 1573, estabelece regras mais<br />

estritas para a improvisação, ao instruir o cantor com mecanismos sofisticados de execução de<br />

linhas de contraponto em cânone, com ou sem cantus firmus. Portanto, a evolução das<br />

práticas musicais se dava cada vez mais em função da escrita.

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