No. 50/1986

despedida na Camara dos Deputados, afir-
mou recusar, formal e veementemente, o
papel de Cassandra", que reputava antipa-
tico. Talvez nao o repelisse, se tal como a
Churchill, em hora escura para a humanida-
de, o homenageassem, apropriadamente,
com o epiteto de "Lucida Cassandra", a ele
um verdadeiro vidente dos males nacionais.
Orador excepcional, sabia usar a palavra,
com rara propriedade, para combater, ali-
ciar ou convencer. Seus gestos estudados,
eram extraordinariamente eficazes. Embora
nao fosse um mestre na construcao de fra-
ses curtas, ele as pronunciava com voz con-
trolada, modulando-a ritimicamente, gra-
duando a emocao, ate atingir o cllmax do
seu discurso e teatralizando as atitudes num
estilo singular e brilhante. E se impunha ao
grande publico ou ao auditorio reservado
ou seleto, que o ouvia em respeitoso silen-
cio, deleitado com a sonora e imponente
oratoria, a que, se por acaso faltava a con-
sistencia erudita, sobravam brilho e contida
drainatizacao. Seus discursos eram modela-
dos coino uin poema, pastoreando as pala.
vras coino ovelhas rebeldes. Com perfeicao
de estilo e pureza de linguagem, foi, com
certeza, um dos maiores oradores do seu
tempo. Segundo Josud Montello se "ajusta,
com rigorosa propriedade" a Otavio Man,
gabeira, a observacao de Anatole France
sobre a figura de um senador frances, "vul-
to de tao alta respeitabilidade que dele se
pode dizer, num resumo de suas virtudes,
que era escutado antes mesmo de falar".
Vereador, Deputado Federal, Ministro,
Governador ou Senador, Otdvio Mangabei-
ra, em toda a sua longa vida publica foi
sempre o mesmo homem, coerente e fiel as
suas conviccoes, de inteligencia fulgurante,
grande poder dialbtico, observador atilado
dos homens e dos fatos, "causeur" elegan
te e bem humorado, "alma serena e coracao
sem odios." Na expressao de Wilson Lins,
de refinada compostura e inatacavel honra-
dez, combativo e corajoso, ~rofuhdamente
fiel a Bahia e sinceramente voltado para
Deus.
"Arrastando o bordao de peregrino", dizia
ele, "morei em varios lugares de diferentes
pakes. O que sinto hoje dentro em mim,
depois de ter corrido terra e mundo, e que
amo cada vez mais esta cidade, e cada vez
mais me rendo aos seus encantos, bem
maiores do que imaginam os que nela vivem
e teem vivido, sem dela nunca sair. Nao se
conformava com uma "Bahia proscrita,
desanimada, descrente". Queria sua terra
natal $I frente da luta, inconformada e com-
bativa, para o que voltava do exilio dispos-
to a comandar a jornada "pela Bahia redi-
mida e autanoma, pela nacao soberana, se-
nhora dos seus destinos". Ainda em praca
publica, no dia' do seu regresso, em 1934,
afirmava: "Nao volto aqui bafejado pelas
auras do poder. Volto de cabeca erguida,
por isso que a nao curvei, sobretudo nos
momentos em que, agravadas as dificulda-
des, tive de ergue-la ainda inais coino se me
lembrasse desta hora em que teria de com-
parecer perante os meus conterraneos.
Ja agora a minha missao na atividade poli-
tica, podia eu da-la por finda. Nao a dou.
Nao a dou porque nao quero. Nao a dou
porque nao devo. A desercao na batalha
quando a bandeira e a da patria, e sobre-
tudo se esta se encontra em perigo, e a inais
ignobil das ignominias, a que pode baixar a
covardia. Se algum dia, na vida publica, eu
tiver de faltar aos meus deveres de lealdade
a Bahia, aos meus deveres de lealdade ao
Brasil, so peqo a Deus, que me fulmine na
vespera".
Confessa que, ao viajar para o exllio, se-
reno e em absoluta paz, houve um moinen-
to que lhe custou mais a resistir. "Foi quan-
do ao passar nas aguas da Bahia, daqui au-
sente havia 4 anos (...I derramei sobre o
oceano os olhos da saudade, procurando
em vao descobrir nos loriges do horizonte,
onde so se viam ceu e mar, os muros desta
cidade em que nasci, e a que se me recu-
sava no momento a graca de rever" (...)
"S6 coagido ou forcado, como a 27 de
novembro de 1930, eu passaria outra vez
,nas aguas da Bahia sem vir trazer-lhe os tri-
butos da minha devocao, ou como jB tive
ensejo de dizer, sem vir dobrar os joelhos
aos p4s dos seus altares".
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