No. 50/1986

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Sua devocao filial a Bahia esta mais uma vez presente no discurso pronunciado em Salvador, quando de volta do segundo exllio, pela candidatura de Eduardo Gomes a Presidencia da Republica: "Eduquei-me ouvindo e cantando o hino 2 de Julho, que e coino um brado para as geracoes, pregando a execracao do despotismo. Se boas vindas recebo, boas vindas tenho a dar: bem vinda seja aos ineus olhos, e inais do que aos ineus olhos a ininha alma, bem vinda seja a mim, a ininha terra. Aqui a montanha e o mar, a montanha que e, em si mesma, uin slinbolo de altitude, e o mar que desenrolando-se ate onde a vista alcanca, nos habitua a ver longe, abrindo e dilatando os horizontes, aqui a montanha e o mar coino se plasi~arain as consciencias. O traco dominante da Bahia, quando a observamos pelo prisma da acao civica e polltica, e o do esquecimento de si inesina, quando entra em jogo a patria e a humanidade, e o da abnegacao, do altruismo, coin que nunca nos faltou, no Brasil, ao seu dever de priinogenitura, e o do sentimento, o da visao nao tanto regional ou regionalista, mas antes nacional, senao ate universal e huinana dos homens que serviram de padrao ao espirito baiano. Castro Alves poderia ter cantado os primo- res da nossa natureza ou a faina dos herois que se liberaram aos pincaros da gloria. Pre- feriu descer as senzalas para cantar os escra- vos, o inartlrio da raca oprimida. Fe-lo nas inais candentes das apostrofes com que - nunca a raca humana subiu mais alto para cair como um raio fulininando a iniqui- dade. Ruy Barbosa viveu e morreu sagrando com o sacriflcio a fe com que devotou os pro- dlgios do seu genio, nao maior do que a sua intrepidez, as duas grandes paixoes que o devoraram: a da justica e a da liberdade, onde quer que a injustica ou a opressao al- caram o colo no inundo." Sua crenca em Deus era inabalavel e em sua religiao nada havia que pudesse conspurcar a pureza da fe. "Trago, - dizia ele em 1945 - destes 6 a 7 anos'de nova peregrinacao pelo estrangeiro, atraves de vicissitudes, mas principalmente de saudade, um pouco inais de fadiga, que e o tributo que todos pagamos h passagem do tempo, a cabeca um pouco mais branca. Mas, Deus, em cuja fe hei de morrer, Deus me deu a fortuna de, no portico da velhice, sentir ainda a moci- dade na alma e o coracao ainda moco para estremecer pela patria e vibrar pelas grandes causas nacionais e humanas". Abrindo a campanha para o Governo do Estado, ein comicio realizado na Praca da Se, em dezembro de 1946, terminava o seu discurso, demonstrando mais uma vez sua for- macao religiosa: "Assim Deus, em quem ponho a minha fe, e a quem entrego as minhas esperancas, me nao falte coin a sua caridade". No encerramento do 10 Congresso Nacio- nal de Vocacoes Sacerdotais, lembrava que "festejamos os quatro seculos que ja agora passaram sobre os muros desta cidade, tan- to- mais velha quanto mais amada, e que se ergue ha 4 seculos, a margem de uma baia - a Baia de Todos os Santos - sob a invocacao do Salvador, que nunca lhe faltou coin seu amparo e para quem, em oca- sioes como esta, se impoe que nos volva- mos os baianos, alto e bom som, na mais ardente das preces por que ele continue a proteger-nos coin a sua misericordia de que nunca podemos prescindir os que, antes de penetrar na eternidade, pagamos o nosso tributo, o tributo de nossa passagem atraves dos espinhos e das flores - inais espinhos do que flores - deste vale de Iagri- mas". E adiante acrescentava: "Nao deixa de ser oportuno lembrar neste momento, nobres soldados de Cristo, a quem tambem proclamo, sem qualquer sombra de respei- to humano, meu Rei e meu Senhor, pedin- do-lhe que reine totalmente, cada vez mais, na minha alma. Nao deixa de ser oportuno lembrar neste momento que uma das Ulti- mas recordacoes que guardo de Ruy Bar- bosa e a de ve-lo prostrado de joelhos, a assistir comovido, em atitude de contricao e fe, a cerimbnia de entronizacao do coracao de Jesus, na sua residencia em Petrd Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net).
polis, onde nao tardou mito que rendesse a alma a Deus." E crente "na forca da prece", apelava a.os sacerdotes no sentido de que nao deixassem de "interceder com as vossas oracoes para que Deus inspire os brasileiros." E finalmente, para nao me alongar, em de- masia, sobre este aspecto da vida de Otavio Mangabeira, incluo aqui a peroracao do seu discurso proferido na inauguracao do Fo- rum Ruy Barbosa: "Nos dois paineis late- rak, o da direita e da esquerda, tainbein em letras de bronze, ja que nao pBde ser em letras de ouro, gravam-se algumas frases la- pidares do proprio Ruy Barbosa. Vou le-las ou recita-las, uma a uina, com o que darei cumprimento a uina formalidade do ritual, em uina solenidade coino esta a que iinpri- mimos, de alguma forma, o carater dos atos religiosos. Oucainos a voz do oraculo. Sao versiculos do evangelho da deinocr,acia brasileira: "Creio na liberdade onipotente, criadora das nacoes robustas; creio na lei, na priinei- ra das suas necessidades; creio que neste regime, soberano e s6 o direito, interpre- tado pelos Tribunais." "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei nao ha salvacao". "Nao ha tribunais que bastem para abrigar o Direito, quando o dever se ausenta da consciencia dos inagistrados." "A justica coroa a ordem jurldica, a ordem jurldica assegura a responsabilidade; a responsabilidade constitui a base das instituicoes livres; e sem instituicoes livres nao ha paz, nao ha educacao popular, nao ha honestidade administrativa, nao ha organi- zacao defensiva da pdtria contra o estrangeiro." "Os piores de todos os crimes, os que mais atacam a moral publica, e depoem contra a civilizacao de um povo, sao as violencias contra a lei pelos a quem ela incumbiu da sua guarda". Agora, a Ultima frase, que desejo tambem seja a Ultima que me caiba dizer, em sua honra, neste dia e neste lugar, direi neste dia santo e neste lugar sagrado, coino orgao do povo e do governo da sua terra natal. Esta frase, que e um depoimento, a confis- sao de uma consciencia iluminada pela sabedoria da experiencia e pelos claroes inexaurlveis da fe, esta frase, dir-se-ia foi escrita para ser proferida de joelhos. Nela, dir-se-ia, poe o apostolo todo o seu coracao, toda a sua alina. E, apenas com cinco vocabulos, entretece e lanca aos ventos, para a posteridade e para os sekulos, uina bandeira de luz. Oucaino-Ia: "De quanto no inundo tenho visto, o resumo se abran- ge nestas cinco palavras: Nao ha justica sem Deus! ". Aqui me permito um parentese. Otavio Mangabeira, coino os baianos em geral, era um estreinado admirador de Ruy Barbosa. Admiracao esta fincada em solidas raizes e justificadas razoes. Alias, a forca de Ruy, nao ha duvida, dominou a intelectualidade brasileira, os pol lticos de escol do pals. Aquele que estremeceu pela patria e nao perdeu o ideal, einpregnou com seu espl- rito varias geracoes de pol Iticos. Otavio Mangabeira era um hoinein austero, sem afetacao. Gostava da conversa amena e da presenca' afetuosa dos amigos. De um sendo de humor levemente acidulado, tor- nava agradavel seu convivio, onde seinpre pontificavam sua inteligencia, sua palavra fluente e seus gestos refinados. De um amigo que via tudo colorido, ele dizia: "E tao otiinista, que vendo uma casa pegar fogo se admira: "Que casa bem iluminada". Ein 1950, no auge da campanha, acirrada coino sempre, Otavio Mangabeira, referindo-se aos candidatos a sua sucessao no governo da Bahia, nao entendia "porque estes dois lutam tanto para pagar as minhas dividas". Joao Mangabeira, seu irmao, vul- to exponencial da cultura juridica brasileira, voltou as pressas ao aeroporto para ve-lo, acometido do seu primeiro enfarte. Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net).
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