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<strong>Anais</strong> do <strong>VII</strong> <strong>SIC</strong> 1099<br />
viagem em busca pelos naparamas (guerreiros da paz), e também por Gaspar, filho de Farida, uma<br />
mulher por quem ele se apaixonou e prometeu trazer o filho dela de volta. O destino de Kindzu<br />
muda ao conhecê-la, e sua ambição de vida passa a ser encontrar Gaspar, para que Farida pudesse<br />
amá-lo.<br />
O menino e o velho, todas as noites, ficavam ansiosos para lerem os cadernos de<br />
Kindzu, pois, ao fazerem aquilo, eles se sentiam “vivos”, fantasiavam e conheciam novamente<br />
aquele mundo que passou a ser tão desconhecido para eles. Imaginavam, sonhavam, conheciam<br />
novos lugares, aquele mundo fazia deles outras pessoas, eles sentiam-se vivos de verdade, enquanto<br />
que na realidade, presos naquele “machimbombo”, eles não podiam cantar, dançar ou fazer<br />
qualquer tipo de coisa que chamasse a atenção, para não serem mortos pelos bandos (bandidos<br />
armados). Todos os dias, eles percebiam que a paisagem ficava diferente. Após alguns dias, eles<br />
foram percebendo que a estrada estava se movimentando, e ela só fazia isso na noite em que os<br />
cadernos eram lidos.<br />
A partir disso, as histórias são narradas entre: a trajetória de Tuahir e Muindinga pela<br />
identidade do garoto, narrada em onze capítulos; e a busca de Kindzu pelos naparamas e por<br />
Gaspar, filho de Farida, narrada em onze cadernos. De fato, todos eram sobreviventes daquela terra<br />
viva, repleta de neblina e cinzas e estavam em busca da esperança de uma nova vida, para que<br />
conseguissem reconstruir sua cultura e sua humanidade. Dessa forma, os personagens buscam<br />
sempre fatos do passado para compreenderem o que acontecia no presente.<br />
Por fim, a história termina com o sonho de Kindzu com a paz resgatada, e com a chance<br />
de reconstrução das vidas daquelas pessoas. O sonho é muito confuso, pois, pelas características e<br />
fatos postos na história, observamos a semelhança de Muindinga com Gaspar, que na verdade era a<br />
mesma pessoa. E já nas últimas linhas, o autor para fazer o desfecho da narrativa utiliza-se do<br />
realismo mágico:<br />
De sua mão tombam os cadernos. Movidos por um vento que nascia não do ar, mas<br />
do próprio chão, as folhas se espalham pela estrada. Então, as letras, uma por uma,<br />
se vão convertendo em grãos de areia e, aos poucos, todos meus escritos se vão<br />
transformando em páginas da terra. (COUTO, 2007. p. 204)<br />
Terra Sonâmbula mostra a destruição de um país, a degradação das vidas, da cultura e<br />
dos sonhos de um povo, bem como toda essa devassidão que proporcionou a alienação de muitas<br />
dessas pessoas. Como descreve Couto (2007, p. 17): “De dia já não saímos, de noite não<br />
sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos”. O medo da morte as transformaram<br />
em refugiados da sua própria nação, elas sentiam-se não invadidas, mas sim invasoras, e deveriam<br />
ficar quietas para não serem atacadas e mortas. A sabedoria já não tinha mais espaço, o medo já<br />
havia consumido tudo. Os mais velhos, que por tradição representariam a experiência não passavam<br />
de crianças assustadas, até eles já tinham perdido a sabedoria, não esperando nada mais dos mais<br />
jovens. É um livro complexo, que revela sonhos e esperanças castigadas, mas ainda vivas, num<br />
cenário de destruição e de guerra;<br />
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se<br />
arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas<br />
nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que<br />
tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul.<br />
Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em<br />
resignada aprendizagem da morte. (COUTO, 2007. p. 9)<br />
ISBN: 978-85-7621-031-3