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<strong>Anais</strong> do <strong>VII</strong> <strong>SIC</strong> 1161<br />
outro que opera por uma distopia, que desconstrói pensamentos antes mantidos como únicos,<br />
prontos e acabados.<br />
É com essa última perspectiva que a visão literária da autora contemporânea Nélida Piñon<br />
dialoga. A América cartografada nas obras da autora não é dotada de perfeição, não é um espaço<br />
que acolhe a figura estrangeira com tanta hospitalidade. Apesar de a autora sempre ter deixado claro<br />
em entrevistas, e em alguns outros veículos de informação, o seu amor pela pátria, ela procura<br />
através de seus livros representar a realidade vivenciada pela figura estrangeira em solo novo.<br />
Assim, busca ressaltar o processo de dessacralização da nossa literatura, deixando claro que preza<br />
mais pela geografia dos sentimentos do que pela geografia dos homens:<br />
Um país que não sei descrever senão com as tintas do amor. Terra esta conformada<br />
pelo confronto de fantasias europeias com aquelas que foram se forjando na nova<br />
geografia. De forma a que, através desse atrito civilizatório, marcado por uma<br />
sucessão de imprevistos, imprudências e desavisos, adviessem sentimentos e<br />
postulados inerentes ao modo de ser dos que lançaram, ao longo dos séculos, à<br />
construção de uma nação. (PIÑON, 2008: 31)<br />
Descendente de estrangeiros espanhóis, Piñon elege o personagem migrante como um dos<br />
mais recorrentes em suas obras. Eles aparecem em A República dos Sonhos, romance que escreve<br />
para homenagear a família e no qual narra a saga dos espanhóis em terras brasileiras, aparecem em<br />
Tebas do Meu Coração e em Fundador, onde o personagem Joseph Smith, juntamente com sua<br />
família, migra de sua terra natal involuntariamente para os Estados Unidos, lugar onde não encontra<br />
a sonhada hospitalidade, motivo pelo qual adquire certa rebeldia no decorrer da narrativa. Para esse<br />
personagem, a América não é uma utopia, desmanchando aquela visão construída anteriormente<br />
pelas obras românticas. Nélida através dos comportamentos e atitudes atribuídos a Joseph mostra<br />
perfeitamente como é se sentir estrangeiro em terra alheia. A América não era a idealização dos<br />
discursos que outrora convocavam o imigrante a partir em sua direção.<br />
Nesse espaço estrangeiro, desconhecido para o imigrante, se desenrola seu drama originado<br />
pelo sofrimento provocado pela decisão de abdicar de suas origens, de sua terra, de seus costumes.<br />
A geografia dos sentimentos passa a ser para ele mais importante do que a geografia dos homens.<br />
Há em Joseph um sentimento de perda de identidade, pelo fato de ter sido levado a conviver com<br />
novos costumes, uma cultura diferente daquela que pertencia a seu povo. Há na obra de Nélida a<br />
preocupação com a visão que o estrangeiro tem do novo. Uma espécie de denúncia da realidade tal<br />
como ela é. Diferentemente da época em que os colonizadores partiam com o proposito de difundir<br />
uma religião, um código linguístico e adquirir riqueza, e impor aos indígenas que aceitassem aquela<br />
colonização. No romance de Nélida, o protagonista Joseph não tem mais essa visão utópica, em que<br />
o imigrante é que detém poder sobre o nativo. A representação da América na obra de Nélida é tida<br />
numa perspectiva crítica, que engloba as dificuldades econômicas e sociais que o imigrante mais do<br />
que os próprios nativos tem de enfrentar.<br />
ISBN: 978-85-7621-031-3