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Anais VII SIC - UERN

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<strong>Anais</strong> do <strong>VII</strong> <strong>SIC</strong> 1120<br />

pelas modulações que o narrador confere à linguagem (Candido, 1999), imprimindo na<br />

própria melodia e na concisão da frase o ritmo da vida sustentada pela ginga e pela picardia da<br />

malandragem (LUCAS, 1999). O livro Malagueta, Perus e Bacanaço organiza-se em três<br />

partes: a primeira denomina-se “contos gerais” e abrange narrativas com temas diversos; a<br />

segunda chama-se “caserna”, e nela os protagonistas, vivendo no ambiente opressor dos<br />

quartéis, confinados num mundo de ilusão da ordem, representado pelos militares, procuram<br />

alguma forma de liberdade (cf. CANDIDO, 1999). A terceira parte é chamada sinuca e<br />

contém as páginas mais intensas do livro, trazendo a marginalização social no que ela tem de<br />

mais cruel, em situações vividas por personagens que apresentam ao mesmo tempo o que há<br />

de negativo e positivo no ser humano, criaturas que habitam as regiões marginalizados e<br />

sobrevivem das trapaças que imperam no mundo da sinuca. São os verdadeiros malandros e<br />

viradores que atravessam noites no jogo “triste da vida”, para usar a expressão do narrador.<br />

Para dar vivacidade a seus personagens, as narrativas de João Antônio exigem o<br />

conhecimento e a aproximação do narrador com os costumes e as angústias, as paixões e os<br />

temores de uma classe social que se expressa pela linguagem mais simples, porém recheada<br />

de gírias, adequada para representar o drama e a voz dos marginalizados. Na ficção de João<br />

Antônio a perspectiva do narrador é a do meio social em que cada personagem está inserido, o<br />

que dá autenticidade à voz narrativa, pois, “ao contrario de muitos narradores que falam de<br />

pobreza às vezes do alto da torre, seu narrador assume e, com isso dá voz ao objeto<br />

representado” (DURIGAN, 1983, p.218).<br />

O conto Meninão do Caixote apresenta de modo vivo e intenso o universo da<br />

sinuca, em que circulam personagens que transitam entre a ordem do mundo oficial e a<br />

“desordem” o mundo marginal, e cuja sobrevivência depende de expedientes que extrapolam<br />

as convenções da ordem social. Na vida desses personagens os valores são relativizados, e<br />

para eles o fio da existência compõe uma teia de imprevistos que encontra uma síntese na<br />

errância do jogo, cuja imprevisibilidade segue paralelamente e serve como analogia aos<br />

infortúnios da vida. Narrado em primeira pessoa, o conto tem como personagem principal o<br />

Meninão do Caixote, que é o próprio narrador, garoto que não por acaso é atraído pela magia<br />

da sinuca e torna-se exímio jogador, afamado nas “bocas do inferno” (como o autor chama os<br />

ambientes do jogo). A fama lhe rendeu o apelido de Meninão do Caixote, pois precisava usar<br />

um caixão como apoio para alcançar a posição adequada em jogadas decisivas. É pelas mãos<br />

de Vitorino, velho malandro decadente, que o menino ingressa no mundo da sinuca e aprende<br />

a “ética” da malandragem.<br />

No universo de João Antônio a sabedoria resulta da experiência vivida e se mostra<br />

na convivência dos grupos sociais opostos, bem como entre os próprios elementos<br />

marginalizados. Sua literatura revela que para a população excluída do processo produtivo,<br />

portanto marginalizada, sobreviver é uma arte e a vida um desafio que nasce a cada dia. O<br />

universo da malandragem na obra de João Antônio é algo como o mundo das personagens que<br />

figuram nas letras do samba: “classes baixas que habitam os morros e alguns bairros da<br />

cidade, e mais restritamente, do grupo especifico de semi-marginais de toda ordem sem<br />

trabalho constante, sem lugar bem definido no sistema social, a que se chamaram malandros.”<br />

(MATOS, 1982, p.48).<br />

A sinuca é o tema dos dois contos principais do livro Malagueta, Perus e<br />

Bacanaço. Flávio Aguiar (1999, p. 115), ao referir-se ao conto Meninão do Caixote, afirma<br />

que a narração em primeira pessoa “se despersonaliza em terceira”, ou seja, o narrador fala do<br />

universo que ocupa, mas não se restringe a falar de si mesmo, parecendo muitas vezes uma<br />

voz narrativa que observa os acontecimentos de fora. O trecho o abaixo mostra o narrador<br />

falando do seu nome e dos trajetos que a sua fama de exímio jogador percorreu, identificandose<br />

como sujeito de sua própria fala, porém num registro que a despersonaliza:<br />

ISBN: 978-85-7621-031-3

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