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<strong>Anais</strong> do <strong>VII</strong> <strong>SIC</strong> 1106<br />
mulher enquanto ser sensível, instável, tal como uma lua em noite nublada, a qual luta para rasgar o<br />
ventre denso das nuvens, mas que não está segura diante do seu futuro incerto.<br />
Já no livro “O arado” de 1959 Zila Mamede faz uma viagem ao passado revivendo as<br />
lembranças e as vivências de sua infância. Assim, tal como o arado, instrumento agrícola que<br />
perfura o solo, revirando, renovando e fertilizando um solo fértil que permanecia em dormência, o<br />
livro “O arado”, tem função similar, pois em cada poema, em cada estrofe e em cada verso as<br />
palavras surgem como lâminas afiadas, revirando as entranhas, abrindo profundos sulcos no terreno<br />
da memória e resgatando antigas lembranças e vivências do tempo de infância de sua autora.<br />
De forma que os poemas desta obra se encontram muito ligados a terra como se fossem<br />
sementes germinando, que “[...] nasceram no chão sagrado, com chuva do céu e suor dos rostos<br />
vigilantes, surgidos na inspiração provocadora de uma inegável vivência emocional.” (MAMEDE,<br />
2005, p. 18), destaca Cascudo em nota para o livro “O arado”.<br />
Em seus poemas Zila Mamede valoriza as pequenas coisas, simples e sinceras<br />
produzidas pelo homem do campo e pela natureza. Assim, os poemas revelam um pouco da alma de<br />
Zila Mamede e suas heranças da vivência no sertão, como se pode observar no quarto poema<br />
intitulado de “O alto (A avó)”, no qual Zila Mamede apresenta traços de uma autobiografia, na qual<br />
ela se mostra intimamente ligada à família e aos valores da vida simples do campo, herdando os<br />
costumes e as tradições de seus antepassados. “Herdei a deslembrança de seus olhos / e dessa flauta<br />
que tocara à noite / vertendo paz e sono a meu avô” (MAMEDE, 1978, p. 94)<br />
Assim, ao longo do livro Zila Mamede vai construindo uma imagem de mulher que se<br />
apresenta intimamente ligada aos costumes centrados na valorização da terra e do trabalho agrícola,<br />
uma mulher conhecedora das particularidades e dos encalços que envolvem a atividade agropastoril<br />
e que participa ativamente das tarefas desenvolvidas para garantir a subsistência, como é possível<br />
observar no poema “Banho (rural)”, no qual uma moça sai ao final do dia em busca de um pouco de<br />
água:<br />
De cabaça na mão, céu nos cabelos.<br />
à tarde era que a moça desertava<br />
[...] onde em cacimba e lodo se assentava<br />
[...] A moça ali perdia-se, afundava-se<br />
enchendo o vasilhame, aventurava [...].(MAMEDE, 1978, p. 97)<br />
Assim, “O arado”, além de um livro de memórias, no qual as marcas de um passado<br />
distante revivem as lembranças dos tempos de glória e resgatam as dificuldades de sobrevivência,<br />
revela também uma mulher integrada e ativamente participativa em auxilio as tarefas domésticas, e,<br />
às vezes, é a própria mulher que se apresenta na condição de chefe e provedora do lar.<br />
Passando para o livro “Exercício da palavra” de 1975, se comparado com os anteriores<br />
uma das maiores diferenças percebidas é a questão temática. Pois, diferentemente dos volumes<br />
antecedentes este enfoca um espaço urbano, mais geométrico e por isso há um cuidado maior com<br />
as questões visuais em seus poemas, apresentando alguns poemas concretos, sem, contanto,<br />
abandonar o lirismo interior presente em Zila Mamede.<br />
A segunda parte do livro revela um amadurecimento interior de Zila Mamede, ao tentar<br />
desvendar os mistérios, seus limites e buscar o autoconhecimento. No poema “Mãe” revela a<br />
mulher em um papel típico da sociedade patriarcal, procriar e cuidar dos afazeres domésticos que<br />
essa função exige, mas que neste caso a leveza e magia do ato de ser mãe encobrem a submissão e<br />
torna-se um ato grandioso:<br />
A mulher fia filho<br />
[...] em crescimento lento<br />
no seu sangue.<br />
[...] De se própria se esquece:<br />
ISBN: 978-85-7621-031-3