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Livres: eram totalmente livres. Eu pensava que nada, nem ninguém, era livre em Portland, mas estava<br />
enganado. Sempre havia os pássaros.<br />
Ele fica em silêncio por algum tempo, e penso que talvez a história tenha acabado. Fico imaginando<br />
se ele esqueceu minha pergunta inicial — por que eu? —, mas estou envergonhada demais para lembrá-lo,<br />
então simplesmente continuo sentada e o imagino na fronteira, parado, observando os pássaros no céu.<br />
O pensamento me acalma.<br />
Depois do que parece uma eternidade, ele volta a falar, dessa vez com uma voz tão baixa que preciso<br />
me inclinar em sua direção para conseguir ouvi-lo.<br />
— Na primeira vez em que vi você, no Governador, fazia anos que eu não andava até a fronteira<br />
para observar os pássaros. Mas você me lembrou deles. Você estava pulando e gritando alguma coisa,<br />
seu cabelo se soltava do rabo de cavalo, e você era tão veloz... — Ele balança a cabeça. — Apenas um<br />
raio, e, depois, desapareceu. Exatamente como um pássaro.<br />
Não sei como — eu não pretendia me mexer, nem tinha percebido qualquer movimento —, mas, de<br />
alguma forma, estávamos frente a frente no escuro, separados por poucos centímetros.<br />
— Todos estão adormecidos. Estão adormecidos há anos. Você parecia... acordada. — Alex está<br />
sussurrando. Ele fecha os olhos e os abre novamente. — Estou cansado de dormir.<br />
Dentro de mim, tudo está se agitando como se tivesse seguido o que ele disse, transformando-se em<br />
pássaros voando: o restante de meu corpo parece flutuar em correntes intensas de calor, como se um<br />
vento quente soprasse através de mim e me decompusesse, e me transformasse em ar.<br />
Isto é errado, diz uma voz em mim, mas não a minha voz. É a de outra pessoa — uma espécie de<br />
mistura entre minha tia, Rachel, todos os meus professores e o avaliador que fez a maioria das perguntas<br />
na segunda avaliação.<br />
Em voz alta, digo com um tom agudo:<br />
— Não.<br />
Mas outra palavra está se erguendo dentro de mim, borbulhando como água fresca jorrando da terra.<br />
Sim, sim, sim.<br />
— Por quê? — Ele mal está sussurrando. Suas mãos encontram meu rosto, as pontas de seus dedos<br />
tocando ligeiramente minha testa, o topo das orelhas, minhas bochechas. Tudo o que ele toca é fogo.<br />
Meu corpo inteiro está queimando; nós nos tornamos dois pontos da mesma chama branca e brilhante.<br />
— Do que você tem medo?<br />
— Você precisa entender. Eu só quero ser feliz. — Mal consigo expelir essas palavras. Minha mente<br />
é uma neblina, cheia de fumaça, nada existe além de seus dedos dançando e se movendo em minha pele,<br />
em meu cabelo. Gostaria que ele parasse. Quero que isso continue para sempre. — Eu só quero ser<br />
normal, como todo mundo.<br />
— Tem certeza de que ser como todo mundo fará você feliz? — diz ele no mais leve sussurro; sua<br />
respiração em minha orelha e em meu pescoço, sua boca roçando minha pele. E, então, penso que<br />
realmente posso ter morrido. Talvez o cachorro tenha me mordido e eu tenha sido atingida na cabeça, e<br />
isso tudo não passe de um sonho: o restante do mundo se desfez. Apenas ele. Apenas eu. Apenas nós.<br />
— Não conheço nenhuma outra forma.<br />
Não sinto minha boca se abrir, não sinto as palavras saírem, mas ali estão elas, flutuando no escuro.<br />
Ele diz:<br />
— Deixe-me mostrar.<br />
E, então, estamos nos beijando. Ou, pelo menos, acho que estamos nos beijando — só vi beijos<br />
algumas vezes, selinhos rápidos, com a boca fechada, em casamentos ou ocasiões formais. Mas isto não é<br />
como nada que eu já tenha visto, imaginado ou sequer sonhado: isto é como música, ou dançar, mas<br />
ainda melhor. A boca dele está ligeiramente aberta, então abro a minha também. Seus lábios são macios<br />
e fazem a mesma pressão suave que a voz insistente em minha cabeça que não para de dizer sim.