01- Delírio

Biblioteca de Livros Aprovados —, filmes e músicas entram na BMFA, e por uma pequena taxa você
pode baixá-los para seu computador. Quer dizer, se você tiver um computador. Eu não tenho.
Hana suspira, mantendo o olhar distante. Finalmente, ela olha para mim.
— Você consegue guardar um segredo?
Agora me sento ereta, chegando até a beirada da cama. Não gosto do jeito como ela está olhando
para mim. Não confio nesse olhar.
— O que está acontecendo, Hana?
— Você consegue guardar um segredo? — repete ela.
Penso em quando estávamos na frente dos laboratórios no Dia da Avaliação, com o sol forte acima
de nós, e na maneira como ela aproximou a boca de meu ouvido para sussurrar sobre felicidade e
infelicidade. De repente, sinto medo por ela, sinto medo dela. Mas aceno com a cabeça e digo:
— Consigo, é claro.
— Tudo bem. — Ela olha para baixo, mexe na barra do short por um segundo e respira fundo. —
Então, na semana passada eu conheci um cara...
— O quê?
Eu quase caio da cama.
— Relaxe. — Ela levanta uma das mãos. — Ele está curado, o.k.? Trabalha para a prefeitura. É um
censor, na verdade.
Meu coração se desacelera e eu volto a me ajeitar nos travesseiros.
— Tudo bem. E daí?
— E daí — diz Hana, arrastando as palavras — que ele estava na sala de espera do médico comigo.
Quando fui fazer a fisio, sabe? — Hana torceu o tornozelo no outono e ainda precisa fazer sessões de
fisioterapia uma vez por semana, para mantê-lo forte. — E começamos a conversar.
Ela para. Não vejo exatamente aonde essa história está indo ou o que tem a ver com a música que
estava tocando, então simplesmente espero que ela continue.
Finalmente, ela o faz.
— Então, eu estava falando com ele sobre as provas e sobre como quero muito entrar para a USM, e
ele estava falando de seu trabalho... o que ele faz, você sabe, no dia a dia. Ele codifica as restrições para o
acesso à intranet, para que as pessoas não possam escrever qualquer coisa, postar conteúdo por conta
própria ou transmitir informações falsas ou “opiniões inflamatórias” — Ela diz isso fazendo sinal de
aspas e revirando os olhos. — e coisas assim. Ele é como um guarda da intranet.
— Tudo bem — digo novamente.
Quero pedir para Hana ir direto ao ponto — sei tudo das restrições da intranet, todo mundo sabe
—, mas isso apenas faria com que ela se fechasse.
Ela respira profundamente.
— Mas ele não apenas codifica a segurança. Ele busca buracos; tipo, invasões. Hackers, basicamente,
que passam por todas as barreiras de segurança e conseguem postar conteúdo próprio. O governo
chama esses sites de flutuadores: conseguem ficar no ar durante uma hora, um ou dois dias antes de
serem descobertos, sites cheios de coisas não autorizadas, opiniões, quadros de aviso, clipes e músicas.
— E você encontrou um.
Uma sensação de náusea se acomodou em meu estômago. Palavras não param de piscar em meu
cérebro, como sinais em neon acendendo e apagando: ilegal, interrogação, vigilância. Hana.
Parece que ela não se dá conta de que eu fiquei totalmente imóvel. Seu rosto de repente fica
animado, mais vivo e enérgico do que nunca, e ela se inclina para a frente apoiada nos joelhos, falando
apressadamente:
— Não apenas um. Dezenas. Existem muitos deles por aí, se você souber procurar. Se você souber
onde procurar. É incrível, Lena. Tanta gente, provavelmente em todo o país, esgueirando-se pelas frestas