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concentrada em Alex que não tive tempo de ficar nervosa com a chegada de Brian Scharff. Mas agora<br />
sinto o impulso de correr para a porta dos fundos ou fugir por uma janela. Pensar no que Carol faria se<br />
eu me jogasse de uma janela me provoca uma onda incontrolável de risos.<br />
— Lena — chia ela no mesmo instante em que Brian e sua mãe começam a bater à porta da frente.<br />
— Controle-se.<br />
Por quê? Fico tentada a retrucar. Ele não vai poder fazer nada, mesmo que me odeie. Está preso a<br />
mim, e eu estou presa a ele. Estamos presos.<br />
Crescer é isso, eu acho.<br />
Em minha imaginação, Brian Scharff era alto e gordo, um tipo grandão desajeitado. Na verdade, ele<br />
é apenas poucos centímetros mais alto que eu — o que é algo surpreendentemente baixo para um<br />
homem — e tão magro que tenho medo de quebrar seu punho quando nos cumprimentamos. Suas<br />
palmas estão encharcadas de suor, e ele mal aperta minha mão. É como segurar um lenço úmido.<br />
Depois, quando nos sentamos, seco as mãos disfarçadamente nas calças.<br />
— Obrigada por virem — diz Carol, e se segue uma pausa longa e desconfortável. No silêncio,<br />
posso ouvir Brian respirando pelo nariz. Parece que tem um animal moribundo preso em sua cavidade<br />
nasal.<br />
Devo estar encarando-a, porque a Sra. Scharff explica:<br />
— Brian sofre de asma.<br />
— Ah! — digo.<br />
— As alergias agravam o problema.<br />
— Hum... Ele é alérgico a quê? — pergunto, porque ela parece esperar que eu o faça.<br />
— Poeira — responde ela, enfaticamente, como se estivesse esperando para dizer a palavra desde<br />
que atravessou a porta. Ela olha desanimada para a sala, que não está empoeirada, e Carol fica vermelha.<br />
— E pólen. Gatos e cachorros, é claro, e amendoim, frutos do mar, trigo, laticínios e alho.<br />
— Não sabia que era possível ser alérgico a alho — digo. Não consigo segurar: simplesmente escapa.<br />
— O rosto dele incha como uma sanfona.<br />
A Sra. Scharff volta os olhos desdenhosos para mim, como se, de algum jeito, a culpa fosse minha.<br />
— Ah... — digo novamente e, em seguida, outro silêncio desconfortável cai sobre nós. Brian não<br />
fala, mas respira mais alto que nunca.<br />
Dessa vez, Carol me salva.<br />
— Lena — diz ela —, talvez Brian e a Sra. Scharff queiram um pouco de água.<br />
Nunca me senti tão agradecida por uma desculpa para sair de algum lugar. Levanto-me de um salto,<br />
quase derrubando um abajur com o joelho.<br />
— Claro. Vou buscar.<br />
— Certifique-se de que seja filtrada — a senhora Scharff chama minha atenção enquanto saio da<br />
sala. — E com pouco gelo.<br />
Na cozinha, demoro bastante enchendo os copos — com água da pia, é claro — e permitindo que o<br />
ar frio do freezer refresque meu rosto. Da sala de estar posso ouvir o murmúrio baixo de conversa, mas<br />
não consigo identificar quem está falando ou o que está sendo dito. Talvez a Sra. Scharff tenha decidido<br />
repetir a lista de alergias de Brian.<br />
Sei que preciso voltar em algum momento, mas meus pés simplesmente se recusam a andar na<br />
direção do corredor. Quando enfim os obrigo a agir, eles parecem ter se transformado em chumbo;<br />
mesmo assim, levam-me rápido demais até a sala. Não paro de ver uma série infinita de dias sem graça,<br />
dias com a cor de comprimidos amarelos e brancos, dias que devem ter o mesmo sabor amargo que um<br />
remédio deixa na boca. Manhãs e noites preenchidas pelo murmúrio silencioso de um umidificador de<br />
ar, pela respiração ruidosa de Brian e pelo ping, ping, ping de uma torneira vazando.<br />
Não há solução. O corredor não dura para sempre, e entro na sala a tempo de ouvir Brian dizer: