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01- Delírio

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— Ela não é tão bonita quanto nas fotos.<br />

Brian e sua mãe estão de costas para mim, mas Carol fica boquiaberta quando me vê ali, e os Scharff<br />

se viram para me olhar. Pelo menos têm a decência de parecer envergonhados. Ele abaixa os olhos<br />

rapidamente, e ela fica ruborizada.<br />

Nunca me senti tão envergonhada ou exposta. É ainda pior do que vestir aquela camisola quase<br />

transparente para a avaliação e ficar sob o brilho de lâmpadas frias. Minhas mãos tremem tanto que a<br />

água entorna pelas bordas dos copos.<br />

— Aqui está a água. — Não sei onde encontro forças para contornar o sofá e colocar os copos na<br />

mesa de centro. — Com pouco gelo.<br />

— Lena... — Minha tia começa a dizer algo, mas a interrompo.<br />

— Desculpe. — Milagrosamente, consigo dar um sorriso. No entanto, só é possível sustentá-lo por<br />

uma fração de segundo. Minha mandíbula também está tremendo, e sei que posso chorar a qualquer<br />

momento. — Não estou me sentindo muito bem. Acho que vou lá fora respirar um pouco de ar fresco.<br />

Não espero permissão. Viro-me e saio rapidamente pela porta da frente. Enquanto saio ao sol, ouço<br />

Carol se desculpando por mim.<br />

— Ainda faltam algumas semanas para a intervenção — diz ela. — Então, precisam perdoá-la por<br />

ser tão sensível. Tenho certeza de que tudo vai dar certo...<br />

As lágrimas caem quentes e rápidas assim que saio. O mundo começa a se derreter; cores e formas se<br />

embaralhando. O dia está completamente parado. O sol acabou de passar pelo meio do céu, um disco<br />

branco e liso, como um círculo de metal aquecido. Um balão vermelho está preso em uma árvore. Deve<br />

estar ali há algum tempo. Já está murcho, balançando ligeiramente, inerte e meio vazio, na ponta do<br />

barbante.<br />

Não sei como poderei encarar Brian quando tiver que voltar para dentro de casa. Não sei como<br />

algum dia poderei encará-lo. Milhares de coisas terríveis passam por minha cabeça. Insultos que eu<br />

gostaria de lhe dizer: Pelo menos não pareço uma tênia ou Você alguma vez já parou para pensar que pode ser<br />

alérgico à vida?<br />

Mas sei que não vou — não posso — dizer nada disso. Além do mais, o problema não é realmente<br />

que ele faça barulho para respirar ou que seja alérgico a tudo. O problema não é nem que ele não me<br />

ache bonita.<br />

O problema é que ele não é Alex.<br />

Atrás de mim, a porta se abre, rangendo. Brian diz:<br />

— Lena?<br />

Esfrego as mãos no rosto rapidamente para secar as lágrimas. A última coisa que eu quero é que<br />

Brian saiba que seu comentário idiota me chateou.<br />

— Estou bem — respondo, sem me virar, pois tenho certeza de que meu rosto está péssimo. —<br />

Vou entrar em um segundo.<br />

Ele deve ser burro ou teimoso, porque não me deixa sozinha. Em vez disso, fecha a porta atrás de si<br />

e desce o degrau da frente da casa. Ouço-o respirando pouco atrás de mim.<br />

— Sua mãe disse que eu poderia ficar aqui com você — diz ele.<br />

— Ela não é minha mãe — corrijo-o rapidamente.<br />

Não sei por que parece tão importante explicar. Eu costumava gostar quando as pessoas pensavam<br />

que Carol era minha mãe. Significava que não conheciam a história verdadeira. Mas eu também<br />

costumava gostar de um monte de coisas que agora parecem ridículas.<br />

— Ah, certo. — Brian deve saber algo sobre minha mãe verdadeira. Está na ficha que ele recebeu.<br />

— Desculpe, eu esqueci.<br />

Claro que esqueceu, penso, mas não digo nada. Ao menos o fato de ele estar atrás de mim me deixou<br />

irritada demais para continuar triste. As lágrimas cessaram. Cruzo os braços e espero que ele entenda a

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