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sinto os olhos passando por mim, como um vento, desviando-se para Hana. Seu cabelo louro brilha a<br />
meu lado, uma moeda ao sol.<br />
Minhas pernas voltam a doer, uma sensação pesada, mas me forço a continuar enquanto dobramos a<br />
esquina da rua Commercial e deixamos St. Vincent para trás. Sinto Hana se esforçando para me<br />
acompanhar. Viro a cabeça, mal conseguindo soltar a palavra “apostando”. Mas quando Hana me<br />
alcança, movendo os braços, e quase me ultrapassa, abaixo a cabeça e avanço, correndo o mais rápido<br />
possível, tentando colocar um pouco de ar nos pulmões, que parecem ter se reduzido ao tamanho de<br />
ervilhas, e lutando contra os gritos em meus músculos. A escuridão come as beiradas de minha visão, e<br />
tudo o que consigo enxergar é uma grade com a malha em formato de losangos que surge de repente<br />
diante de nós, bloqueando o caminho, e em seguida estou me esticando e tocando-a com tanta força que<br />
ela balança, e me viro para gritar “ganhei!” enquanto Hana chega um segundo depois, ofegante. Nós<br />
estamos rindo agora, soluçando e respirando fundo enquanto andamos em círculos, tentando nos<br />
recuperar.<br />
Quando, enfim, consegue respirar no ritmo normal, Hana se endireita, rindo.<br />
— Deixei você ganhar — diz ela, uma velha piada nossa.<br />
Chuto alguns cascalhos em sua direção. Ela se desvia, soltando um gritinho.<br />
— Continue tentando se convencer disso.<br />
Parte de meu cabelo soltou do rabo de cavalo, e eu luto para tirar o elástico, abaixando a cabeça para<br />
que o vento bata em minha nuca. Gotas de suor chegam a meus olhos, fazendo-os arder.<br />
— Belo visual.<br />
Hana me empurra devagar e eu tropeço para o lado, balançando a cabeça para que meu cabelo bata<br />
nela.<br />
Ela se desvia. Há um vão na grade que marca o início de um trecho estreito de uma via auxiliar,<br />
bloqueada por um portão baixo de metal. Hana salta por cima dele e gesticula para que eu a siga. Não<br />
fiquei prestando muita atenção em onde estamos: a rua corta um estacionamento, uma floresta de<br />
caçambas de lixo industrial e galpões de armazenamento. Atrás delas está a familiar fileira de prédios<br />
brancos e quadrados, como dentes gigantes. Deve ser uma das entradas laterais para o complexo de<br />
laboratórios. Vejo que a grade é encimada por espirais de arame farpado e a cada seis metros há placas<br />
que indicam: PROPRIEDADE PRIVADA. NÃO ULTRAPASSE. SOMENTE PESSOAS AUTORIZADAS.<br />
— Acho que não podemos… — começo a dizer, mas Hana me interrompe.<br />
— Vamos… — diz ela. — Viva um pouco.<br />
Examino rapidamente o estacionamento depois do portão e a rua atrás de nós: ninguém. A pequena<br />
guarita policial após a entrada também está vazia. Inclino-me e espio o interior. Há um sanduíche pela<br />
metade, embrulhado em papel-manteiga, e uma pilha de livros desarrumada em uma pequena mesa,<br />
perto de um rádio antigo, que emite um ruído estático e trechos de música em meio ao silêncio.<br />
Também não vejo câmeras de segurança, apesar de provavelmente haver algumas. Todos os prédios do<br />
governo são monitorados. Hesito por um segundo e, em seguida, passo por cima do portão e alcanço<br />
Hana. Os olhos dela brilham, animados, e percebo que esse era seu plano, e seu destino, o tempo todo.<br />
— Deve ser por aqui que os Inválidos entraram — diz ela com uma pressa afobada, como se<br />
tivéssemos passado o tempo todo falando sobre o drama do dia anterior no laboratório. — Não acha?<br />
— Parece que não teria sido difícil.<br />
Tento soar casual, mas a via auxiliar vazia, o estacionamento enorme brilhando ao sol, as caçambas<br />
de lixo azuis, os fios elétricos cruzando o céu e a inclinação branca e reluzente dos telhados do<br />
complexo de laboratórios me deixam apreensiva. Tudo está silencioso e muito parado, quase congelado,<br />
como acontece em sonhos ou pouco antes de uma grande tempestade. Não quero dizer isso a Hana, mas<br />
daria tudo para voltar a Old Port, ao complicado emaranhado de ruas e lojas familiares.<br />
Apesar de não haver ninguém em volta, tenho a impressão de estar sendo vigiada. É pior que a