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01- Delírio

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menos aqui.<br />

Alex continuou pelo corredor, e ouço-o arquejar. Levanto os olhos. Ele está completamente parado,<br />

e sua expressão me deixa com medo.<br />

— O quê? — pergunto.<br />

Por um instante, ele não responde. Está olhando fixamente para algo que não consigo ver — uma<br />

porta, imagino, mais adiante no corredor. Em seguida, vira-se para mim de repente, com um movimento<br />

de cabeça rápido e duro.<br />

— Não — diz ele, com a voz rouca. O medo aumenta, me domina.<br />

— O que foi? — pergunto de novo.<br />

Avanço pelo corredor até ele. De repente, Alex parece estar muito longe, e quando Frank fala atrás<br />

de mim, sua voz também soa distante.<br />

— Era aí que ela estava — diz. — Número cento e dezoito. A administração ainda não liberou a<br />

verba para ajeitarmos as paredes, então, por enquanto, deixamos assim mesmo. Não temos muito<br />

dinheiro para melhorias...<br />

Alex me observa. Todo o controle e a confiança desapareceram. Seus olhos ardem em fúria, ou<br />

talvez dor; sua boca está retorcida em uma careta. Minha cabeça parece cheia de ruídos.<br />

Alex levanta a mão como se estivesse pensando em conter meu avanço. Nossos olhos se encontram<br />

por apenas um segundo e algo passa entre nós — um alerta, ou talvez um pedido de desculpas —, e<br />

então passo por ele para a cela cento e dezoito.<br />

Em quase todos os aspectos, ela é idêntica às celas que eu vi através das pequenas janelas das portas:<br />

um chão de cimento; um vaso enferrujado, um balde cheio de água no qual diversas baratas passeiam<br />

lentamente; uma pequena cama de ferro com um colchão fino como papel, que alguém arrastou para o<br />

centro da cela.<br />

Mas as paredes...<br />

As paredes estão cobertas — cheias — de rabiscos. Não. Não são rabiscos. Estão cheias de uma única<br />

palavra de quatro letras, registrada repetidas vezes, em cada superfície disponível.<br />

Amor.<br />

Letras enormes, com os cantos ligeiramente riscados; escritas em um estilo cursivo gracioso e com<br />

letras de forma; raspadas, arranhadas e esculpidas, como se as paredes lentamente se derretessem em<br />

poesia.<br />

E, no chão, caída junto a uma parede, uma corrente simples de prata com um pingente: uma adaga<br />

com rubis incrustados, cuja lâmina foi gasta e reduzida a um cotoco. O pingente de meu pai. O colar de<br />

minha mãe.<br />

Minha mãe.<br />

Todo esse tempo, durante cada longo segundo em que acreditei que ela estivesse morta, minha mãe<br />

estava aqui: arranhando, esculpindo, rasgando, presa entre paredes de pedra como um segredo há muito<br />

enterrado.<br />

De repente, sinto-me como se estivesse de volta em meu sonho, em cima de um penhasco enquanto<br />

o chão sólido se desintegra abaixo de mim, transformando-se na areia de uma ampulheta, fugindo sob<br />

meus pés. Sinto-me como quando percebo que todo o chão desapareceu e que estou de pé em uma fatia<br />

fina de ar, pronta para cair.<br />

— É horrível, sabe? Veja o que a doença fez com ela. Quem sabe quantas horas ela passou<br />

arranhando essas paredes, como um rato — diz Frank.<br />

Frank e Alex estão atrás de mim. As palavras do guarda parecem abafadas por uma camada de<br />

tecido. Dou um passo adiante e entro na cela, de repente hipnotizada pelo brilho de luz que se estende<br />

como um longo dedo dourado a partir de um espaço aberto na parede. As nuvens devem estar se<br />

separando lá fora: através do buraco, do outro lado da fortaleza de pedra, vejo o azul luminoso do rio

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