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01- Delírio

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sinto meus dentes baterem enquanto passamos pelo asfalto velho e meu estômago subir e descer cada<br />

vez que passamos por mais um buraco. Estamos chegando perto. As sirenes gritam mais alto, como um<br />

enxame de vespas. Se conseguirmos chegar à fronteira antes que mais viaturas apareçam... Se, de algum<br />

jeito, passarmos pelos guardas e conseguirmos escalar a cerca...<br />

Então, como um enorme inseto decolando, um helicóptero surge à nossa frente, lançando luzes em<br />

zigue-zague pela estrada escura, fazendo um barulho ensurdecedor com as hélices, fustigando o ar,<br />

açoitando-o.<br />

Uma voz explode:<br />

— Em nome do governo dos Estados Unidos da América, ordeno que parem e se rendam!<br />

Blocos de mato alto clareado pelo sol surgem à nossa direita: chegamos à enseada. Alex faz a moto<br />

sair da estrada, para dentro do mato, e seguimos, meio acelerando, meio deslizando, pelo terreno<br />

pantanoso, fazendo uma diagonal em direção à fronteira. Lama espirra em minha boca e nos olhos,<br />

fazendo-me engasgar, e tusso nas costas de Alex, sentindo-o inspirar junto a mim. O sol é um<br />

semicírculo agora, como uma pálpebra parcialmente aberta.<br />

A ponte Tukey surge à nossa direita, preta, esquelética na escuridão parcial. À frente, as luzes nas<br />

guaritas ainda estão acesas. Mesmo ao longe, parecem pacíficas, como lanternas chinesas, como algo<br />

frágil e facilmente desmontável. Para além delas, a cerca; a borda das árvores, a segurança. Tão perto. Se<br />

ao menos tivéssemos tempo... Tempo...<br />

Algo estoura; uma explosão na penumbra; a lama se ergue, formando um arco. Estão atirando outra<br />

vez, do helicóptero.<br />

— Parem, desçam da moto e ponham as mãos na cabeça!<br />

As viaturas chegaram à rua que contorna a enseada. Cada vez mais carros freiam, e policiais correm<br />

pelo mato em direção ao terreno pantanoso — centenas deles, mais do que jamais vi juntos, escuros e<br />

desumanos, como uma multidão de baratas.<br />

Estamos novamente na faixa curta de grama que separa a água da velha estrada e das guaritas,<br />

passando em velocidade por um emaranhado de arbustos, sentindo o golpe dos galhos em minha pele.<br />

E então, simplesmente, Alex para. Bato com força nele, mordendo a língua, e sinto gosto de sangue<br />

na boca. Acima de nós, a luz do helicóptero treme um pouco, tentando nos localizar, e então nos<br />

ilumina. Alex ergue os braços por cima da cabeça e salta da moto, virando-se para mim. Debaixo da<br />

sólida luz branca, sua expressão é indecifrável, como se naquele instante ele tivesse sido transformado<br />

em pedra.<br />

— O que você está fazendo? — grito, em meio ao barulho das hélices, dos berros, das sirenes, e,<br />

embaixo de tudo isso, o constante e eterno resmungo da maré trazendo água de volta à enseada, sempre<br />

ali, sempre levando tudo embora, transformando tudo em poeira. — Ainda podemos conseguir.<br />

— Escute. — Ele não parece estar gritando, mas, de algum jeito, ainda consigo ouvi-lo. É como se<br />

estivesse falando diretamente em meu ouvido, apesar de ainda estar ali, com os braços erguidos. —<br />

Quando eu disser para ir, você vai. Você precisa dirigir isso, tudo bem?<br />

— O quê? Não posso...<br />

— Cidadã 914-238-619-3216. Desça da moto e coloque as mãos na cabeça. Se não descer<br />

imediatamente, seremos forçados a atirar.<br />

— Lena. — A maneira como ele diz meu nome me faz calar a boca. — Eletrificaram a cerca. Ela<br />

está ligada.<br />

— Como você sabe?<br />

— Apenas escute. — Desespero e pavor invadem a voz de Alex. — Quando eu disser para ir, você<br />

vai. E quando eu disser para pular, você pula. Você vai conseguir chegar até a cerca, mas terá apenas<br />

trinta segundos antes que a força volte, um minuto, no máximo. Precisará subir o mais rápido possível.<br />

E depois você corre, tudo bem?

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