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— Sente-se, Helen. Vou ver o que há de errado.<br />
Mas, naquele segundo, a porta azul é aberta, e uma confusão de vacas — vacas mesmo, vivas,<br />
verdadeiras, transpirando e mugindo — entra de forma estrondosa no laboratório.<br />
Definitivamente, uma debandada, penso, e por um segundo estranho e desconexo sinto-me orgulhosa<br />
por ter identificado corretamente o som.<br />
E então percebo que estou sendo carregada por um bando muito grande de animais muito<br />
assustados, e estou a dois segundos de ser esmagada no chão.<br />
No mesmo instante jogo-me em um canto e me abaixo atrás da mesa cirúrgica, onde fico<br />
completamente protegida da massa de animais em pânico. Levanto a cabeça só um pouquinho acima da<br />
mesa para poder enxergar o que está acontecendo. Os avaliadores estão subindo na mesa enquanto<br />
muros de vacas marrons e malhadas os cercam. A avaliadora Um está berrando a plenos pulmões, e<br />
Óculos grita:<br />
— Acalme-se, acalme-se!<br />
Ainda assim, ele se agarra à mulher como se ela fosse um bote salva-vidas e ele corresse risco de se<br />
afogar.<br />
Algumas das vacas têm perucas estranhas penduradas na cabeça; outras estão semicobertas por<br />
camisolas idênticas à que visto. Por um instante, tenho certeza de que estou sonhando. Talvez o dia todo<br />
tenha sido um sonho e vou acordar e descobrir que ainda estou em casa, na cama, na manhã de minha<br />
avaliação. Então, noto o que está escrito nos flancos das vacas: CURA, NÃO. MORTE. As palavras estão<br />
escritas em tinta de modo grosseiro, logo acima dos números recém-marcados que identificam que os<br />
animais foram destinados ao abatedouro.<br />
Um ligeiro arrepio sobe por minha coluna, e tudo começa a se encaixar. A cada dois anos, mais ou<br />
menos, os Inválidos — pessoas que vivem na Selva, o território não regulamentado entre cidades e vilas<br />
reconhecidas — entram sorrateiramente em Portland e armam algum tipo de protesto. Uma vez, vieram<br />
à noite e pintaram caveiras vermelhas na casa de todos os cientistas. Em outra, conseguiram invadir a<br />
central da delegacia de polícia, que coordena todas as patrulhas e guaritas de Portland, e colocaram os<br />
móveis no telhado, até mesmo as máquinas de café. Foi bem engraçado, para falar a verdade — e<br />
impressionante, considerando que o prédio mais seguro de Portland deveria ser aquele. As pessoas da<br />
Selva não enxergam o amor como uma doença e não acreditam na cura. Acham que é uma crueldade.<br />
Por isso, a palavra de ordem.<br />
Agora entendo: as vacas estão vestidas como nós, as pessoas sendo avaliadas. Como se fôssemos<br />
gado.<br />
As vacas se acalmam um pouco. Não correm mais e começaram a se dispersar pelo laboratório. A<br />
avaliadora Um segura uma prancheta e tenta espantar os animais que cercam a mesa, mugindo e<br />
mordendo os papéis espalhados pela superfície — as anotações dos avaliadores, percebo quando uma<br />
vaca puxa uma folha e a rasga com os dentes. Graças a Deus. Talvez as vacas comam todas as anotações e<br />
os avaliadores esqueçam que eu estava fracassando completamente. Meio escondida atrás da mesa — e a<br />
salvo, por enquanto, daqueles cascos duros e ruidosos —, preciso admitir que a situação toda é um<br />
pouco hilária.<br />
Foi quando ouvi. De algum jeito, sobre os roncos, tropeços e gritos, escuto uma risada acima de<br />
mim — baixa, curta e musical, como alguém executando notas em um piano.<br />
A galeria de observação. Um garoto na galeria de observação assiste ao caos. E ele está rindo.<br />
Assim que olho para cima os olhos dele se fixam em meu rosto. A respiração escapa de meu corpo<br />
com um ruído e tudo congela por um segundo, como se eu olhasse para ele através das lentes de uma<br />
câmera, com o máximo de zoom, e o mundo parasse por aquela fração de segundo entre a abertura e o<br />
fechamento do obturador.<br />
Seus cabelos são castanhos e dourados, como as folhas das árvores no outono quando começam a