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01- Delírio

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Alex ergue as sobrancelhas.<br />

— Está pensando em tentar?<br />

Hana fica paralisada, e meu sangue gela. Ela foi longe demais. Se Alex nos denunciar como<br />

potenciais simpatizantes, encrenqueiras ou qualquer coisa, passaremos meses e meses sendo vigiadas e<br />

investigadas — e podemos dar adeus a nossas chances de passar nas avaliações com notas decentes.<br />

Imagino uma vida inteira vendo Andrew Marcus tirando meleca com o dedão e fico tonta.<br />

Alex provavelmente percebe nosso medo, porque levanta as mãos.<br />

— Relaxem. Eu estava brincando. Vocês não parecem exatamente terroristas. — Penso de repente<br />

em quão ridículas devemos parecer, com nossos shorts de corrida, tops suados e tênis em cores<br />

fluorescentes. Ou, pelo menos, eu devo estar ridícula. Hana parece uma modelo de artigos esportivos.<br />

Mais uma vez, sinto um acesso de rubor seguido por uma onda de irritação. Não foi à toa que os<br />

reguladores optaram pela segregação entre meninos e meninas: caso contrário, teria sido um pesadelo<br />

ficar sentindo raiva, insegurança, confusão e irritação o tempo todo. — Esta aqui é apenas a área de<br />

carregamento, de qualquer forma, para cargas e coisas assim. — Alex aponta para além dos galpões. —<br />

A segurança verdadeira começa mais perto das instalações. Guardas em tempo integral, câmeras, cercas<br />

elétricas e tudo a que se tem direito.<br />

Hana não olha para mim, mas quando ela fala ouço a animação invadindo sua voz.<br />

— Área de carregamento? Quer dizer, o local onde chegam as entregas?<br />

Mentalmente, começo a rezar: Não diga nada idiota. Não diga nada idiota. Não mencione os Inválidos.<br />

— Isso.<br />

Hana se balança, transferindo o peso de uma perna para a outra. Tento lançar um olhar de<br />

advertência, mas ela evita meus olhos.<br />

— Então é por aqui que entram os caminhões? Com os equipamentos médicos e… e outras coisas?<br />

— Exatamente.<br />

Mais uma vez, tenho a impressão de que há algo piscando atrás dos olhos de Alex, mesmo com o<br />

restante de sua face permanecendo totalmente neutro. Percebo que não confio nele, e de novo me<br />

pergunto por que ele está mentindo sobre ter estado no laboratório na véspera. Talvez só porque seja<br />

proibido, como ele disse. Talvez porque estivesse rindo em vez de ajudar.<br />

E talvez, afinal, ele realmente não esteja me reconhecendo. Travamos contato visual por apenas<br />

alguns segundos, e tenho certeza de que para ele não passei de um borrão, de um rosto entre tantos, fácil<br />

de esquecer. Um rosto que não é bonito. Nem feio. Apenas comum, como milhares de outros rostos que<br />

se veem na rua.<br />

Ele, por outro lado, definitivamente, não é um entre tantos rostos. Para mim, há algo de insano em<br />

ficar a céu aberto conversando com um garoto estranho, mesmo que ele seja curado, e apesar de minha<br />

cabeça estar girando é como se minha visão estivesse afiadíssima, fazendo tudo parecer extremamente<br />

detalhado. Noto a maneira como parte de seus cabelos se curva ao redor da cicatriz, como uma moldura;<br />

percebo suas mãos grandes e marrons, a brancura dos dentes e a simetria perfeita do rosto. A calça jeans<br />

está desbotada e presa por um cinto abaixo dos quadris, e os cadarços dos tênis são do tom mais<br />

estranho de azul, como se ele os tivesse colorido com uma caneta.<br />

Fico imaginando quantos anos ele tem. Parece ter minha idade, mas deve ser um pouco mais velho,<br />

talvez dezenove anos. Fico imaginando também — em um pensamento breve e rápido — se ele já foi<br />

pareado. É claro que já; com certeza.<br />

Estava encarando-o sem querer quando, de repente, ele se vira para mim. Abaixo os olhos, sentindo<br />

um pavor rápido e irracional de que ele tenha conseguido ler meus pensamentos.<br />

— Eu adoraria dar uma olhada — sugere Hana sem a menor sutileza. Estico o braço e dou um<br />

beliscão nela quando Alex não está olhando; ela se encolhe, lançando-me um olhar culpado. Pelo menos<br />

ela não começa a perturbá-lo por conta do que aconteceu ontem e não nos faz parar na cadeia ou em um

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