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— Lena — repete ele, mas parece não saber o que dizer além disso. Levanto-me, desajeitada,<br />
secando o rosto com meu antebraço.<br />
— Você recebeu meu bilhete.<br />
Tento engolir as lágrimas, mas acabo apenas soluçando diversas vezes.<br />
— Bilhete? — pergunta Alex.<br />
Eu queria estar segurando ainda a lanterna para ver melhor o rosto dele. Ao mesmo tempo, morro<br />
de medo disso e da distância que eu talvez encontre ali.<br />
— Deixei um bilhete no Governador — digo. — Queria que você viesse me encontrar aqui.<br />
— Não peguei — diz ele. Acho que ouço uma frieza em sua voz. — Eu só vim...<br />
— Pare.<br />
Não posso deixar que ele continue. Não posso permitir que diga que veio empacotar tudo e que não<br />
quer me ver de novo. Isso me mataria. Amor, a mais mortal das coisas mortais.<br />
— Ouça — digo, soluçando. — Ouça, sobre hoje... Não foi minha ideia. Carol disse que eu tinha<br />
que conhecê-lo, e não consegui avisar a você. E, então, estávamos lá, e eu estava pensando em você e na<br />
Selva e em como tudo mudou tanto e em como não há mais tempo, não há mais tempo para nós, e por<br />
um segundo, por um único segundo, desejei que as coisas pudessem voltar a ser como antes. — O que<br />
eu falo não faz sentido, e eu sei disso. A explicação que repassei mentalmente tantas vezes está saindo<br />
toda enrolada, as palavras saltam umas sobre as outras. As desculpas parecem irrelevantes: enquanto<br />
falo, percebo que só uma coisa realmente importa. Alex e eu não temos mais tempo. — Mas juro que<br />
não desejei de verdade. Se nunca tivéssemos nos conhecido, eu não poderia ter... Eu não sabia o que<br />
nada significava antes de conhecer você, não realmente.<br />
Alex me puxa para junto dele e me abraça. Enterro o rosto em seu peito. Ele parece encaixar com<br />
tanta precisão, tão exatamente, que é como se nossos corpos tivessem sido projetados um para o outro.<br />
— Psiu — sussurra ele em meu cabelo.<br />
Ele me aperta com tanta força que machuca um pouco, mas não me importo. É bom, como se eu<br />
pudesse tirar os pés do chão e não mexer um músculo, e, ainda assim, ele me seguraria. — Não estou<br />
bravo com você, Lena.<br />
Afasto-me minimamente. Sei que, mesmo no escuro, meu rosto deve estar horrível. Meus olhos<br />
estão inchados e meu cabelo, grudado no rosto. Felizmente, ele continua me abraçando.<br />
— Mas você... — Engulo em seco e respiro fundo. — Você levou tudo embora. Todas as nossas<br />
coisas.<br />
Ele desvia o olhar por um segundo. Seu rosto está imerso nas sombras. Quando ele fala, sua voz soa<br />
alta demais, como se ele precisasse expulsar as palavras para conseguir dizê-las.<br />
— Sempre soubemos que isso aconteceria. Sabíamos que não teríamos muito tempo.<br />
— Mas... Mas... — Não preciso dizer que estávamos fingindo. Que agíamos como se nada fosse<br />
mudar nunca.<br />
Ele segura meu rosto com as duas mãos e limpa minhas lágrimas com os polegares.<br />
— Não chore, tudo bem? Não chore mais. — Ele beija levemente a ponta de meu nariz e, depois,<br />
pega uma de minhas mãos. — Quero mostrar uma coisa para você. — Há uma pequena falha em sua<br />
voz, e penso em coisas se desfazendo, desmoronando.<br />
Ele me leva até a escada. Bem acima de nós o teto está podre em alguns pontos, o que permite que a<br />
luz prateada marque cada degrau. A escadaria deve ter sido magnífica em alguma época, subindo<br />
majestosamente antes de se dividir em duas partes, levando a corredores em ambos os lados.<br />
Não fui ao segundo andar desde a primeira vez em que Alex me trouxe aqui com Hana, quando<br />
decidimos explorar cada cômodo da casa. Nem pensei em verificar o segundo andar quando estive aqui<br />
antes. É ainda mais escuro que o térreo, se é que é possível, e mais quente, com uma bruma negra e<br />
flutuante.