01- Delírio

— Eu lhe dei o troco errado — grito mais uma vez, apesar de estar perto o suficiente para falar
normalmente. Com sorte, isso fará com que a mulher me deixe em paz. Mas ela continua nos olhando.
— Você não deveria ter vindo — sussurro quando o alcanço. Finjo colocar algo em sua mão. — Eu
disse que encontraria você mais tarde.
Ele move a mão para o bolso com tranquilidade, acompanhando perfeitamente nossa encenação, e
sussurra:
— Não consegui esperar.
Alex sacode a mão diante de meu rosto e parece sério, como se estivesse me reprimindo por ser tão
descuidada. Mas sua voz é suave e doce. Mais uma vez, tenho a sensação de que nada mais é real — nem
o sol, nem os prédios, nem a mulher do outro lado da rua, que continua nos observando.
— Tem uma porta azul depois da esquina, no beco — digo em voz baixa enquanto recuo,
levantando as mãos como se pedisse desculpas. — Encontre-me lá em cinco minutos. Bata quatro vezes.
— Então, mais alto, digo — Escute, sinto muito. Como eu disse, foi um pequeno engano.
Então viro-me e manco de volta para a loja. Não acredito no que acabei de fazer. Não acredito nos
riscos que estou correndo. Mas preciso vê-lo. Preciso beijá-lo. Preciso mais do que tudo que já precisei.
Sinto a mesma pressão no peito que me atinge quando chego ao fim de uma corrida e estou
praticamente morta, desesperada para descansar e recuperar o fôlego.
— Obrigada — digo a Jed, voltando para meu lugar atrás do balcão. Ele murmura algo indecifrável
e volta à prancheta e à caneta que deixou no chão do corredor três: DOCES, REFRIGERANTES,
SALGADINHOS.
O cara que penso ser um regulador está com o nariz enterrado em um dos compartimentos do
freezer. Não sei ao certo se ele está procurando uma refeição congelada ou se está apenas se
aproveitando do ar frio gratuito. Seja como for, ao olhar para ele me lembro da noite passada, dos
ruídos no ar enquanto os cassetetes desciam como foices, e sinto uma onda de ódio por ele — por todos
eles. Fantasio sobre empurrar o velho para dentro do freezer e dar com a porta na cabeça dele.
Pensar nas batidas de ontem me deixa ansiosa em relação a Hana de novo. Notícias sobre as batidas
estão em todos os jornais. Aparentemente, centenas de pessoas em toda a cidade foram presas ontem à
noite, levadas para ser interrogadas ou enviadas sumariamente para as Criptas, mas não ouvi qualquer
referência específica à festa em Highlands.
Digo a mim mesma que, se Hana não ligar até hoje à noite, irei à casa dela. Digo a mim mesma que,
até lá, não adianta me preocupar, mas o sentimento de culpa continua se arrastando em meu estômago.
O velho continua rondando pelo freezer, sem prestar a menor atenção em mim. Ótimo. Visto o
avental de novo e em seguida, após verificar que Jed não está olhando, estendo o braço e pego todos os
frascos de ibuprofeno — mais ou menos uma dúzia — e guardo-os no bolso do avental.
Em seguida, suspiro alto.
— Jed, preciso que cubra para mim outra vez.
Ele me olha com aqueles olhos azuis embaçados. Pisca, pisca.
— Estou organizando as prateleiras.
— Bem, não temos nenhum analgésico aqui. Não notou?
Ele me encara por longos segundos. Mantenho as mãos fechadas com firmeza atrás das costas. Do
contrário, tenho certeza de que a tremedeira me denunciaria. Finalmente, ele balança a cabeça.
— Vou ver se consigo encontrar alguns no depósito. Cuide do caixa, tudo bem? — Saio de trás do
balcão devagar, para não fazer barulho, mantendo o corpo ligeiramente afastado e inclinado. Com sorte,
Jed não perceberá o volume em meu avental. Este é um sintoma do deliria que ninguém menciona:
aparentemente, a doença faz de você um perfeito mentiroso.
Contorno uma pilha precária de caixas de papelão amassadas no fundo da loja e entro de lado no
depósito, fechando a porta. Infelizmente, ela não tem uma tranca, então arrasto um engradado de potes