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01- Delírio

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nos conhecemos, ele não fez nada além de me apoiar, me confortar e me ouvir, e, nesse tempo todo,<br />

vinha carregando também o peso dos próprios segredos.<br />

— O que aconteceu? — pergunto em voz baixa. — Quer dizer, o que ele...? — Paro. Não quero<br />

forçar o assunto.<br />

Alex me olha rapidamente e desvia o olhar.<br />

— O que ele fez? — diz ele. A rigidez voltou à sua voz. — Não sei. O que todas as pessoas que vão<br />

parar na Ala Seis fazem. Pensou por si próprio. Defendeu aquilo em que acreditava. Recusou-se a ceder.<br />

— Ala Seis?<br />

Alex evita meus olhos cuidadosamente.<br />

— A ala morta — diz ele, também em voz baixa. — Para prisioneiros políticos, na prática. São<br />

mantidos em confinamento solitário. E ninguém nunca é solto. — Ele gesticula ao redor, para outras<br />

pedras na grama, dezenas de túmulos improvisados. — Nunca — repete ele, enquanto penso na placa na<br />

porta: PERPÉTUOS, HA HA.<br />

— Sinto muito, Alex. — Daria tudo para tocá-lo, mas o melhor que posso fazer é aproximar-me, de<br />

modo que nossa pele fique separada por apenas alguns centímetros.<br />

Ele me olha então, com um sorriso triste.<br />

— Ele e minha mãe tinham apenas dezesseis anos quando se conheceram. Você acredita? Ela só<br />

tinha dezoito anos quando eu nasci. — Ele se agacha e passa o polegar no nome do pai. De repente,<br />

entendo que o motivo pelo qual ele vem aqui com frequência é para continuar escurecendo as letras do<br />

nome do pai para não desbotarem, para manter algum registro dele. — Queriam fugir juntos, mas ele foi<br />

pego antes que pudessem pensar em um plano. Eu nunca soube que ele havia sido preso. Só pensei que<br />

estivesse morto. Minha mãe achou que seria melhor para mim, e ninguém na Selva sabia o suficiente<br />

para desmenti-la. Acho que para minha mãe era mais fácil acreditar que ele realmente havia morrido. Ela<br />

não queria pensar nele apodrecendo neste lugar. — Alex continua passando o dedo nas letras, de um<br />

lado para o outro. — Meus tios me contaram a verdade quando completei quinze anos. Queriam que eu<br />

soubesse. Vim aqui para conhecê-lo, mas... — Acho que vejo Alex tremer, um movimento duro<br />

repentino dos ombros e das costas. — Enfim, era tarde demais. Ele estava morto havia alguns meses e<br />

enterrado aqui, onde seus restos não contaminariam nada.<br />

Sinto enjoo. As paredes parecem se fechar a nosso redor, ficando mais altas e estreitas; o céu parece<br />

cada vez mais remoto, um ponto que não para de diminuir. Nunca sairemos daqui, penso, mas então<br />

respiro fundo, tentando manter a calma.<br />

Alex se ajeita.<br />

— Pronta? — pergunta ele, pela segunda vez hoje de manhã.<br />

Confirmo com um aceno de cabeça, mesmo não tendo certeza de que estou pronta. Ele se permite<br />

um breve sorriso, e vejo, por um segundo, um pouco de calor iluminar seus olhos. Então, fica sério de<br />

novo.<br />

Olho uma última vez para o túmulo antes de entrarmos. Tento pensar em alguma prece, ou algo<br />

apropriado para dizer, mas nada me ocorre. Os estudos dos cientistas não são realmente claros em<br />

relação ao que acontece quando morremos: supostamente, nos dissipamos na matéria celestial que é<br />

Deus e somos absorvidos por Ele, apesar de também se dizer que os curados vão para o céu e vivem<br />

eternamente em perfeita ordem e harmonia.<br />

— Seu nome — falo e viro-me para Alex. Ele já passou por mim, dirigindo-se à porta. — Alex<br />

Warren.<br />

Ele balança a cabeça quase imperceptivelmente.<br />

— Um nome que me foi dado — diz ele.<br />

— Seu nome verdadeiro é Alex Sheathes — digo, e ele assente.<br />

Ele tem um nome secreto, exatamente como eu. Ficamos ali por mais um instante, olhando um para

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