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de moscas. O cheiro é nojento, como estar nas Criptas, mas afundo entre elas, grata pelo esconderijo e<br />
pela chance de me sentar. Assim que começo a descansar, a dor latejante em minha cabeça retrocede.<br />
Encosto-me nos tijolos e sinto o mundo balançando, como um navio solto do atracadouro.<br />
Alex se junta a mim instantes depois, agachando à minha frente e afastando os cabelos que cobrem<br />
meu rosto. É a primeira vez que ele consegue me tocar durante o dia.<br />
— Sinto muito, Lena — diz ele, e sei que está sendo sincero de verdade. — Pensei que você gostaria<br />
de saber.<br />
— Doze anos — digo, simplesmente. — Durante doze anos achei que ela estivesse morta.<br />
Por algum tempo ficamos em silêncio. Alex traça círculos em meus ombros, braços e joelhos — em<br />
qualquer lugar que consiga alcançar, na verdade, como se estivesse desesperado para manter contato<br />
físico comigo. Gostaria de poder fechar os olhos e virar poeira, sentir meus pensamentos se dispersarem<br />
como flocos de dentes-de-leão flutuando ao vento. Mas suas mãos sempre me trazem de volta: ao beco, a<br />
Portland e ao mundo que de repente não faz mais sentido.<br />
Ela está em algum lugar, respirando, com sede, comendo, andando, nadando. Impossível, agora, pensar em<br />
prosseguir com minha vida, impossível imaginar dormir, amarrar os cadarços para correr, ajudar Carol<br />
com a louça e até passar o tempo na casa com Alex quando sei que ela vive: que está em algum lugar,<br />
orbitando tão longe de mim quanto uma constelação distante.<br />
Por que ela não me procurou? O pensamento passa tão rápido e claro quanto uma corrente elétrica,<br />
trazendo a dor ardente de volta. Fecho os olhos com força, abaixo a cabeça e rezo para que ela passe.<br />
Mas não sei para quem rezar. De repente, não consigo lembrar nenhuma palavra, não consigo pensar em<br />
nada além de estar em uma igreja quando era pequena e observar o sol brilhando e depois sumindo atrás<br />
dos vitrais, e ver toda aquela luz morrer, deixando para trás nada além de painéis inexpressivos de vidro<br />
colorido baratos e que aparentam não ter substância.<br />
— Ei... Olhe para mim.<br />
Abrir os olhos requer um esforço enorme. Alex parece embaçado, apesar de estar ajoelhado a não<br />
mais do que trinta centímetros de distância.<br />
— Você deve estar com fome — diz ele, suavemente. — Vamos para casa, tudo bem? Está se<br />
sentindo bem para andar?<br />
Ele recua um pouco, dando-me espaço para eu me levantar.<br />
— Não. — A resposta sai com mais ênfase do que eu pretendia, e Alex parece espantado.<br />
— Não está se sentindo bem?<br />
Uma pequena ruga aparece entre suas sobrancelhas.<br />
— Não. — Esforço-me para manter a voz em um volume normal. — Quero dizer que não posso ir<br />
para casa. De jeito nenhum.<br />
Alex suspira e esfrega a testa.<br />
— Poderíamos ir para Brooks um pouco, passar algum tempo na casa. E quando você estiver<br />
melhor...<br />
Interrompo-o.<br />
— Você não entende. — Um grito começa a crescer dentro de mim, como um inseto preto<br />
arranhando minha garganta. Tudo em que consigo pensar é: eles sabiam. Todos eles sabiam: Carol, tio<br />
William, talvez até Rachel, e ainda assim me deixaram acreditar que ela estava morta. Eles me deixaram<br />
acreditar que ela me havia abandonado. Que eu não valia a pena. De repente, sou tomada por uma raiva<br />
ardente, uma chama: se eu os vir, se for para casa, não vou conseguir me conter. Vou queimar a casa, ou<br />
arrebentá-la tábua por tábua. — Quero fugir com você. Para a Selva. Como conversamos.<br />
Penso que Alex vai ficar feliz, mas, em vez disso, ele parece apenas cansado. Desvia o olhar,<br />
estreitando os olhos.<br />
— Lena, foi um dia muito longo. Você está exausta. Está com fome. Não está pensando com