01- Delírio

subo, centímetro por centímetro. Escalo o mais rápido possível, mas parece que estou me arrastando,
progredindo muito pouco. Alex deve estar atrás de mim, pois o ouço gritar:
— Vá, Lena! Vá!
Concentro-me em sua voz: é o único som que me faz continuar. De algum jeito, milagrosamente,
chego ao topo da cerca, passo pelos círculos de arame farpado como Alex me ensinou e me inclino para
o outro lado, jogando-me da altura de seis metros, caindo com força na grama, quase inconsciente e
incapaz de sentir mais dor. Faltam apenas alguns metros e serei sugada pela Selva; estarei além do
escudo impenetrável de árvores entrelaçadas, vegetação e sombra. Espero Alex cair em seguida.
Mas ele não cai.
É quando faço o que jurei que não faria. De repente, toda a minha força voltou, motivada pelo
pânico. Levanto-me, cambaleante, quando a cerca começa a zumbir outra vez.
E olho para trás.
Alex ainda está do outro lado, atrás de uma parede trêmula de fumaça e de fogo. Não se moveu um
único centímetro desde que pulamos da moto; ele nem tentou.
Estranhamente, naquele momento penso no que eu disse há tantos meses, em minha primeira
avaliação, quando me perguntaram sobre Romeu e Julieta e a única resposta em que consegui pensar foi
Lindo. Eu quis explicar; quis falar algo sobre sacrifício.
A camiseta de Alex está vermelha, e por um segundo acho que é um truque de luz, mas então
percebo que ele está ensopado, coberto de sangue: sangue fluindo de seu peito, como a cor que se ergue
no céu trazendo mais um dia ao mundo. Atrás dele, vem aquele exército de homens, todos correndo em
sua direção, com armas erguidas. Os guardas também estão vindo, cercando-o de ambos os lados, como
se fossem rasgá-lo ao meio. O holofote do helicóptero está fixo em Alex. Ele está ali, branco, parado e
imóvel sob o feixe de luz, e acho que nunca em toda a minha vida vi algo mais lindo do que ele.
Ele está me olhando através da fumaça, do outro lado da cerca. Não tira os olhos de mim. Seu
cabelo é uma coroa de folhas, espinhos, chamas. Os olhos ardem com luz, mais luz do que todas as luzes
de todas as cidades no mundo inteiro, mais luz do que poderíamos inventar se tivéssemos dez trilhões
de anos.
E então ele abre a boca, formando uma última palavra.
A palavra é: corra.
Depois, aquele enxame de homens cai em cima dele. Ele é agarrado por braços e dentes vorazes e
destruidores como um animal sendo atacado por abutres, encoberto por toda a escuridão.
* * *
Corro durante não sei quanto tempo. Horas, talvez, ou dias.
Alex me disse para correr. Então, corro.
Você precisa entender. Não sou ninguém especial. Sou apenas uma garota. Tenho um metro e
cinquenta e oito e sou mediana em todos os aspectos.
Mas tenho um segredo. Você pode construir paredes até o céu, mas eu encontrarei uma maneira de
voar por cima delas. Pode tentar me prender com cem mil braços, mas eu encontrarei um jeito de
resistir. E há muitos de nós por aí, mais do que você imagina. Pessoas que se recusam a deixar de
acreditar. Pessoas que se recusam a pôr os pés no chão. Pessoas que amam em um mundo sem muros,
pessoas que amam em meio ao ódio, em meio à recusa, com esperança e sem medo.
Eu amo você. Lembre-se. Eles não podem tirar isso de nós.