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01- Delírio

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o outro, e nesse instante sinto entre nós uma ligação tão forte que é como se conquistasse existência<br />

física e se tornasse uma mão a nosso redor, segurando-nos juntos, protegendo-nos. É disso que as<br />

pessoas falam quando se referem a Deus: esse sentimento de ser segurado, compreendido e protegido.<br />

Sentir-me assim parece o mais próximo de rezar; então, sigo Alex de volta para dentro, prendendo a<br />

respiração quando reencontramos aquele fedor horrível.<br />

Sigo-o por uma série de corredores sinuosos. A sensação de quietude e de paz que tive no pátio é<br />

substituída quase imediatamente por um medo tão cortante quanto uma lâmina cravando-se em meu<br />

âmago, penetrando profundamente até que eu mal consiga respirar ou continuar andando. Em alguns<br />

momentos os lamentos se tornam mais altos, quase febris, e preciso cobrir os ouvidos; então, voltam a<br />

ficar mais fracos. Em um momento, passamos por um homem com um jaleco branco de laboratório<br />

manchado com o que parece sangue; ele está conduzindo um paciente em uma coleira. Nenhum dos dois<br />

nos olha enquanto passamos.<br />

Fazemos tantas curvas que começo a me perguntar se Alex está perdido, principalmente porque os<br />

corredores estão ficando cada vez mais sujos e as luzes, menos numerosas, até que caminhamos por um<br />

ambiente escuro e sombrio, com apenas uma lâmpada para iluminar seis metros de um corredor de<br />

pedras enegrecidas. De vez em quando, vários letreiros brilhantes de neon aparecem na escuridão, como<br />

se surgissem do próprio ar: ALA UM, ALA DOIS, ALA TRÊS, ALA QUATRO . Mas Alex continua andando, e<br />

quando passamos pelo corredor que leva à Ala Cinco, chamo-o, convencida de que ele se confundiu ou<br />

se perdeu.<br />

— Alex — digo, mas a palavra me sufoca, pois naquele momento chegamos a um pesado par de<br />

portas marcado por uma pequena placa tão mal-luminada que quase não consigo ler. Mesmo assim, ela<br />

parece brilhar tão claramente quanto mil sóis.<br />

Alex se vira, e para minha surpresa não há nada de sereno em seu rosto. Sua mandíbula está<br />

contraída, e os olhos, cheios de dor, e percebo que ele se odeia por estar ali, por ser a pessoa que precisa<br />

dizer, a pessoa que vai me mostrar aquilo.<br />

— Desculpe, Lena — diz ele. No alto, a placa arde na escuridão: ALA SEIS.

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