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01- Delírio

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Ela também sabe disso. Ela sabe, e não se importa.<br />

— Bem, estou cansada disso.<br />

A voz de Hana falha um pouco, o que me desconcerta. Nunca a ouvi soar menos do que certa.<br />

— Nem deveríamos estar conversando a esse respeito. Alguém pode estar...<br />

— Alguém pode estar ouvindo? — interrompe ela, concluindo a frase para mim. — Meu Deus,<br />

Lena. Estou cansada disso também. Você não está? Cansada de sempre estar atenta, olhando para trás,<br />

tomando cuidado com o que falo, com o que penso, com o que faço. Não consigo... Não consigo<br />

respirar, não consigo dormir, não consigo me mexer. Sinto como se houvesse paredes por todos os lados.<br />

Aonde quer que eu vá, pá! Há uma parede. O que quer que eu deseje, pá! Outra parede.<br />

Ela passa a mão pelo cabelo. Pela primeira vez não está bonita e controlada. Parece pálida e infeliz, e<br />

sua expressão me lembra alguma coisa, mas não consigo definir imediatamente.<br />

— É para nossa própria segurança — digo, desejando ter soado mais confiante. Nunca fui boa em<br />

brigas. — Tudo vai melhorar quando...<br />

Novamente, ela me interrompe.<br />

— Quando estivermos curadas? — Ela ri, um ruído curto e áspero, sem qualquer humor, mas ao<br />

menos não me contradiz diretamente. — Certo. É o que todos dizem.<br />

De repente, percebo: Hana me faz lembrar os animais que vimos certa vez quando nossa turma fez<br />

um passeio em um abatedouro. Todas as vacas estavam alinhadas, apertadas em suas baias, encarandonos<br />

em silêncio enquanto passávamos, com os mesmos olhares de medo, resignação e mais alguma coisa.<br />

Desespero. Fico muito assustada então, realmente apavorada por Hana.<br />

Mas quando ela fala novamente, soa um pouco mais calma.<br />

— Talvez melhore. Quer dizer, depois que formos curadas. Mas até lá... Esta é nossa última chance,<br />

Lena. Nossa última chance para fazer qualquer coisa. Nossa última chance de escolher.<br />

Aí está outra vez aquela palavra do Dia da Avaliação — escolha —, mas concordo com a cabeça para<br />

não chateá-la outra vez.<br />

— Então, o que você vai fazer?<br />

Ela desvia o olhar, mordendo o lábio, e percebo que está pensando se deve confiar em mim.<br />

— Tem uma festa hoje à noite...<br />

— O quê?<br />

O medo me invade novamente.<br />

Ela se apressa em continuar.<br />

— Descobri em um dos flutuadores... É uma coisa de música, algumas bandas vão tocar perto da<br />

fronteira, em Stroudwater, em uma das fazendas.<br />

— Você não pode estar falando sério. Você não está... Você não vai, né? Você não está nem pensando<br />

nisso.<br />

— É seguro, o.k.? Prometo. Esses sites... É realmente incrível, Lena; juro que você iria adorar, se<br />

olhasse. Eles estão escondidos. Normalmente, são links incorporados em páginas normais, coisas<br />

aprovadas pelo governo, mas, eu não sei, de alguma forma dá para perceber algo estranho, sabe? Eles<br />

não se encaixam.<br />

Prendo-me a uma única palavra.<br />

— Seguro? Como pode ser seguro? Aquele cara que você conheceu, o censor, o trabalho dele é<br />

identificar pessoas burras o suficiente para postarem essas coisas...<br />

— Elas não são burras; na verdade, são incrivelmente inteligentes...<br />

— Sem falar nos reguladores, nas patrulhas, na guarda juvenil, no toque de recolher, na segregação,<br />

em todas as coisas que fazem dessa uma das piores ideias...<br />

— Certo. — Hana levanta os braços e bate com as mãos nas coxas. O barulho é tão alto que me<br />

assusta. — Tudo bem. Então é uma ideia ruim. Então é arriscado. Quer saber? Não me importo.

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