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01- Delírio

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— Deixei uns três recados.<br />

— Não recebi nenhum recado — digo rapidamente.<br />

Passei semanas furiosa porque Hana não tentou falar comigo depois da festa — furiosa e magoada.<br />

Mas disse a mim mesma que era melhor assim. Disse a mim mesma que Hana havia mudado e que,<br />

provavelmente, não teria muito o que me dizer.<br />

Hana está me olhando como se tentasse decidir se o que estou dizendo é verdade.<br />

— Carol não disse que liguei?<br />

— Não, juro. — Fico tão aliviada que rio. Naquele segundo, percebo o quanto senti falta dela.<br />

Mesmo quando está chateada comigo, ela é a única pessoa que realmente me defende por escolha, não<br />

por obrigação familiar ou por dever e responsabilidade e tudo aquilo que a Shhh diz ser tão importante.<br />

Todas as outras pessoas na minha vida, Carol e meus primos, as outras meninas do colégio, e até mesmo<br />

Rachel, só conviviam comigo porque precisavam. — Eu não fazia ideia.<br />

Mas Hana não ri. Ela franze o rosto.<br />

— Não se preocupe. Não tem problema.<br />

— Ouça, Hana...<br />

Ela me interrompe.<br />

— Como eu disse, não tem problema. — Ela cruza os braços e dá de ombros. Não sei se ela acredita<br />

em mim, mas está claro que, afinal, as coisas estão diferentes. Este não será um reencontro feliz e<br />

contente. — Então você foi pareada?<br />

Sua voz parece educada agora, e ligeiramente formal, então assumo o mesmo tom.<br />

— Brian Scharff. Eu aceitei. E você?<br />

Ela assente. Um músculo se flexiona no canto da boca, quase imperceptível.<br />

— Fred Hargrove.<br />

— Hargrove? O sobrenome do prefeito?<br />

— É o filho dele. — Hana confirma com a cabeça e desvia o olhar novamente.<br />

— Uau. Parabéns.<br />

Não consigo deixar de parecer impressionada. Hana deve ter sido incrível na avaliação. Não que isso<br />

seja alguma surpresa, na verdade.<br />

— É. Que sorte a minha.<br />

A voz de Hana está completamente sem tom. Não consigo perceber se está sendo sarcástica. Mas ela<br />

tem sorte, sabendo ou não.<br />

E lá está: apesar de estarmos no mesmo pavimento seco pelo sol, poderíamos estar a cem mil<br />

quilômetros de distância.<br />

Vocês tiveram inícios diferentes, e terão finais diferentes: este é um velho ditado, algo que Carol costumava<br />

dizer muito. Eu nunca percebi o quanto ele é verdadeiro, até agora.<br />

Provavelmente, foi por isso que Carol não me disse que Hana ligou. Três ligações é uma quantidade<br />

muito grande para ser esquecida, e Carol é bastante cuidadosa com esse tipo de assunto. Talvez estivesse<br />

tentando apressar o inevitável, levar-nos logo ao fim, ao momento em que Hana e eu não seremos mais<br />

amigas. Ela sabe que depois da intervenção — quando o passado e toda a nossa história juntas nos<br />

abandonarem, quando não mais sentirmos tanto nossas lembranças — Hana e eu não teremos nada em<br />

comum. Carol, provavelmente, estava tentando me proteger, à sua maneira.<br />

Não adiantaria confrontá-la. Ela nem tentará negar. Apenas me lançará um de seus olhares vazios e<br />

soltará algum provérbio da Shhh. Sentimentos não são eternos. O tempo não espera ninguém, mas o progresso espera<br />

que um homem o produza.<br />

— Está indo para casa?<br />

Hana ainda me olha como se eu fosse uma estranha.<br />

— Sim — respondo. Aponto para a minha camiseta. — Acho melhor eu entrar em casa antes que

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