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portas deslizantes de vidro se abrem e se fecham. A sensação é maravilhosa, como ser<br />
momentaneamente mergulhado da cabeça aos pés em uma fina camada de gelo; eu me viro e levanto o<br />
rabo de cavalo, desejando que não estivesse fazendo tanto calor. Não temos ar-condicionado em casa;<br />
apenas ventiladores altos e lentos que sempre param de funcionar no meio da noite. E, na maior parte<br />
do tempo, Carol não nos deixa usá-los; consomem eletricidade demais, diz ela, e não temos dinheiro<br />
para gastar.<br />
Finalmente, há apenas algumas pessoas à nossa frente. Uma enfermeira sai do prédio carregando<br />
uma pilha de pranchetas e um punhado de canetas e as distribui pela fila.<br />
— Por favor, certifiquem-se de preencher todas as informações necessárias — diz ela —, incluindo<br />
o histórico médico e familiar.<br />
Meu coração começa a subir em direção à garganta. Na página, as lacunas perfeitamente numeradas<br />
— sobrenome, nome, inicial do nome do meio, endereço atual, idade — se embaralham. Fico feliz por<br />
Hana estar à minha frente. Ela começa a preencher os formulários rapidamente, apoiando a prancheta<br />
no antebraço, percorrendo o papel com a caneta.<br />
— Próxima.<br />
As portas se abrem de novo, e uma segunda enfermeira aparece, acenando para que Hana entre. No<br />
frio escuro atrás dela, vejo uma sala de espera branca e clara, com um tapete verde.<br />
— Boa sorte — digo a Hana.<br />
Ela se vira e me lança um sorriso rápido, mas posso perceber que ela está nervosa, finalmente. Há<br />
uma ruga fina entre as suas sobrancelhas, e ela está mordendo o canto do lábio.<br />
Hana entra no laboratório, vira-se abruptamente e volta até mim, com a expressão agitada e<br />
desconhecida, agarra meus ombros e aproxima a boca de meu ouvido. Meu espanto é tanto que derrubo<br />
a prancheta.<br />
— Sabe que não é possível ser feliz a não ser que às vezes se sinta infeliz, certo? — sussurra ela com<br />
a voz rouca, como se tivesse acabado de chorar.<br />
— O quê?<br />
Suas unhas estão se enterrando em meus ombros, e, naquele instante, fico morrendo de medo dela.<br />
— Não é possível ser feliz realmente a não ser que às vezes se sinta infeliz. Você sabe disso, certo?<br />
Antes que eu consiga responder, ela me solta, e ao se afastar seu rosto parece sereno, lindo e<br />
composto como sempre. Hana se curva para pegar minha prancheta e a entrega a mim, sorrindo. Em<br />
seguida, vira-se e some atrás das portas de vidro, que se abrem e se fecham tão suavemente quanto a<br />
superfície de água se fechando sobre algo que afunda.