Processo discursivo e subjetividade: vozes ... - Maralice Neves
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privilegiado. São estados de afeto da ordem da angústia 103 diante do desejo (desconhecido)<br />
do Outro (certamente tomado como mais privilegiado). Segundo Kauffmann, citando<br />
Lacan, o ponto de angústia é que anima a dialética do desejo: o sujeito não cessa de<br />
perguntar a si mesmo sobre o que ele representa para o desejo do Outro (função angustiante<br />
do desejo). A interpretação disso diz respeito sempre à maior ou menor dependência dos<br />
desejos uns em relação aos outros.<br />
A questão político-transferencial aparece nas condições de produção do eu-aqui-<br />
agora, a condição imaginária que concerne o contexto escolar, o aluno, o professor, o<br />
evento de avaliação. A questão política se mostra, por exemplo, através da demanda, regida<br />
por um desejo em geral desconhecido e se manifesta nos mecanismos do afeto, da<br />
resistência e da confissão, como já mencionamos. Nas primeiras quatro seqüências, (39) a<br />
(42), os enunciadores se referem à questão técnica da avaliação do conteúdo ensinado, mas<br />
deixam entrever a questão político-afetiva nas ‘queixas’ implícitas (não-ditas) das<br />
expressões tais como: ‘questão da familiaridade com o tema, ambiente propício, grau de<br />
dificuldade que o aluno enfrenta no momento da avaliação’. Nesse sentido, o que ele<br />
demanda é que o professor seja compreensivo diante da confissão da sua dificuldade 104 .<br />
103 Entendemos a angústia como algo sentido da ordem do desprazer, que para Freud (Kaufmann, 1993) é um estado<br />
de afeto provocado por um acréscimo de excitação que tenderia ao alívio por uma ação de descarga. Das duas<br />
teorias sobre a angústia, interessa a sua elaboração em “A angústia e a vida instintiva” (“Novas conferências<br />
introdutórias sobre a psicanálise”, 1932): “Estudando as situações perigosas, constatamos que a cada período da<br />
evolução corresponde uma angústia que lhe é própria: o período do abandono psíquico coincide com o<br />
primeiríssimo despertar do eu; o perigo de perder o objeto (ou o amor), com a falta de independência que<br />
caracteriza a primeira infância; o perigo da castração, com a fase fálica; e finalmente o medo do supereu, que ocupa<br />
um lugar particular, com o período de latência,” explica Kauffmann, (op. cit.: 36). Trata-se, esta última, da angústia<br />
de morte que poderíamos chamar de medo de desamparo diante do destino. Kauffmann acrescenta o que Lacan<br />
entende pelo ‘ponto de angústia’: “a não correspondência entre o desejo e a falta”. (p.41) A angústia aparece<br />
plenamente funcional na economia do sujeito porque produz diversos modos de defesa ao sinal de desprazer<br />
percebido pelo Eu, entre eles, o recalcamento. Vale lembrar que na edição eletrônica das obras de Freud, o termo<br />
‘angústia’ está traduzido como ‘ansiedade’ e o artigo referido acima está nomeado “A ansiedade e a vida<br />
instintual”.<br />
104 Cabe salientar a dimensão social nessa demanda de afeto do aluno ao professor. O aluno de Letras desta<br />
instituição tende a estar inserido numa camada mais desprivilegiada da sociedade, conforme estudos feitos sobre o<br />
seu perfil. Por outro lado, vimos com Chauí (2000: 89) que a sociedade brasileira ainda conserva as marcas da<br />
sociedade colonial escravista, e tem por isso, uma estrutura hierárquica fortemente verticalizada em todos os seus<br />
aspectos. Essa verticalização é que permite que haja relações entre desiguais de favor, tutela, clientelismo e<br />
cooptação.