20.04.2013 Views

Processo discursivo e subjetividade: vozes ... - Maralice Neves

Processo discursivo e subjetividade: vozes ... - Maralice Neves

Processo discursivo e subjetividade: vozes ... - Maralice Neves

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

179<br />

privilegiado. São estados de afeto da ordem da angústia 103 diante do desejo (desconhecido)<br />

do Outro (certamente tomado como mais privilegiado). Segundo Kauffmann, citando<br />

Lacan, o ponto de angústia é que anima a dialética do desejo: o sujeito não cessa de<br />

perguntar a si mesmo sobre o que ele representa para o desejo do Outro (função angustiante<br />

do desejo). A interpretação disso diz respeito sempre à maior ou menor dependência dos<br />

desejos uns em relação aos outros.<br />

A questão político-transferencial aparece nas condições de produção do eu-aqui-<br />

agora, a condição imaginária que concerne o contexto escolar, o aluno, o professor, o<br />

evento de avaliação. A questão política se mostra, por exemplo, através da demanda, regida<br />

por um desejo em geral desconhecido e se manifesta nos mecanismos do afeto, da<br />

resistência e da confissão, como já mencionamos. Nas primeiras quatro seqüências, (39) a<br />

(42), os enunciadores se referem à questão técnica da avaliação do conteúdo ensinado, mas<br />

deixam entrever a questão político-afetiva nas ‘queixas’ implícitas (não-ditas) das<br />

expressões tais como: ‘questão da familiaridade com o tema, ambiente propício, grau de<br />

dificuldade que o aluno enfrenta no momento da avaliação’. Nesse sentido, o que ele<br />

demanda é que o professor seja compreensivo diante da confissão da sua dificuldade 104 .<br />

103 Entendemos a angústia como algo sentido da ordem do desprazer, que para Freud (Kaufmann, 1993) é um estado<br />

de afeto provocado por um acréscimo de excitação que tenderia ao alívio por uma ação de descarga. Das duas<br />

teorias sobre a angústia, interessa a sua elaboração em “A angústia e a vida instintiva” (“Novas conferências<br />

introdutórias sobre a psicanálise”, 1932): “Estudando as situações perigosas, constatamos que a cada período da<br />

evolução corresponde uma angústia que lhe é própria: o período do abandono psíquico coincide com o<br />

primeiríssimo despertar do eu; o perigo de perder o objeto (ou o amor), com a falta de independência que<br />

caracteriza a primeira infância; o perigo da castração, com a fase fálica; e finalmente o medo do supereu, que ocupa<br />

um lugar particular, com o período de latência,” explica Kauffmann, (op. cit.: 36). Trata-se, esta última, da angústia<br />

de morte que poderíamos chamar de medo de desamparo diante do destino. Kauffmann acrescenta o que Lacan<br />

entende pelo ‘ponto de angústia’: “a não correspondência entre o desejo e a falta”. (p.41) A angústia aparece<br />

plenamente funcional na economia do sujeito porque produz diversos modos de defesa ao sinal de desprazer<br />

percebido pelo Eu, entre eles, o recalcamento. Vale lembrar que na edição eletrônica das obras de Freud, o termo<br />

‘angústia’ está traduzido como ‘ansiedade’ e o artigo referido acima está nomeado “A ansiedade e a vida<br />

instintual”.<br />

104 Cabe salientar a dimensão social nessa demanda de afeto do aluno ao professor. O aluno de Letras desta<br />

instituição tende a estar inserido numa camada mais desprivilegiada da sociedade, conforme estudos feitos sobre o<br />

seu perfil. Por outro lado, vimos com Chauí (2000: 89) que a sociedade brasileira ainda conserva as marcas da<br />

sociedade colonial escravista, e tem por isso, uma estrutura hierárquica fortemente verticalizada em todos os seus<br />

aspectos. Essa verticalização é que permite que haja relações entre desiguais de favor, tutela, clientelismo e<br />

cooptação.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!