Processo discursivo e subjetividade: vozes ... - Maralice Neves
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8.4. Quando o professor confere ao aluno o lugar de avaliador<br />
A propósito da posição de poder conferida pelo professor ao aluno, cabe apontar o<br />
caso em que o professor, além da posição, confere também ao aluno o seu lugar (jurídico)<br />
de avaliador durante um evento formal de teste. Este passa a ter, então, o poder de<br />
escrutinador do erro do colega, saindo do lugar de aluno e da posição de colaborador. Com<br />
isso, o aluno fica autorizado a influenciar na nota do colega. Orlandi (1998) afirma que no<br />
discurso os locutores falam de lugares sociais constituídos historicamente. É uma relação<br />
de forças, constituída na hierarquia de nossa sociedade, na qual o lugar a partir do qual fala<br />
o sujeito é constitutivo do seu dizer. Neste caso, o aluno pode falar da posição de professor,<br />
mas não do seu lugar. Este é um gesto que implica muitas forças: a força das representações<br />
que os alunos têm de um desempenho perfeito em confronto com a questão política do<br />
relacionamento assimétrico entre sujeitos (alunos socialmente mais privilegiados versus os<br />
menos privilegiados, alunos fracos versus alunos excelentes, etc.); a força do aluno tendo<br />
de julgar em lugar do professor e exercer o seu poder sobre o colega; a força do elo<br />
transferencial e identificatório que se forma entre colegas e com o professor, etc.<br />
Certamente este será um momento de conflitos, facilmente ilustrável não só em<br />
constatações de outros pesquisadores 139 , mas também por fatos de nosso corpus. Vejamos<br />
uma seqüência que reforça essa nossa interpretação.<br />
139 Numa visão psicolingüística e social, Miccoli (1997), por exemplo, constata críticas veladas do colega menos<br />
proficiente ao exibicionismo do colega mais proficiente, assim como também o medo que os alunos têm de serem<br />
criticados pelo colega. Ela também constata que para se sentirem parte da comunidade, os alunos precisam partilhar<br />
as mesmas crenças e valores. Reed & Burton (1985) afirmam que avaliações negativas desmotivam os alunos a<br />
ponto de preferirem uma nota baixa por não fazerem a atividade ao invés de receberem uma avaliação ruim por algo<br />
que realizaram. Oxford (1999) relata o aumento de ansiedade dos alunos diante de correções severas dos erros e as<br />
formas desconfortantes de lidar com eles perante a turma. Andrés (1999), por seu lado, aponta que o excesso de<br />
correção leva à baixa auto-estima. Estas constatações são descritas, porém pouco exploradas, pois nelas se supõe<br />
que tais problemas podem ser solucionáveis através de um processo de reflexão dos sujeitos envolvidos. Uma visão<br />
de sujeito não totalmente cognoscente e assujeitado a forças que ele não controla nos dá ao menos a possibilidade<br />
de aprofundar a compreensão dessas questões, porém sem garantir que haverá ‘sucesso’ nesta ou naquela escolha.