Editorial - Andes-SN
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US41:<strong>Andes</strong> 36 12/07/11 17:26 Página 147<br />
blicana, democrática, representativa – no lu gar<br />
da monárquica, destinatária das críticas de La<br />
Boétie. Nos ideários desta nova forma de or ga -<br />
nização de governo e da sociedade não há es pa ço<br />
para a escravidão, para a servidão e, muito me -<br />
nos, para a tirania de qualquer matiz. Nada mais,<br />
nem o nascimento, nem a compra, nem a con -<br />
quista, tornaria compulsória a submissão de al -<br />
guém a outrem. A liberdade, a igualdade e a fra -<br />
ternidade são elevadas à condição de princí pios<br />
nortea dores da ação dos cidadãos e dos go ver -<br />
nantes, instituídos estes na con dição<br />
de representantes do po vo. Se, su pos -<br />
ta mente, nessa nova situação, nin -<br />
guém mais é obrigado a sub me ter-se,<br />
a servir a um ou a uma classe, co mo<br />
entender que haja tan tas pes soas que<br />
servem, sem serem força das?<br />
Na abordagem clássica de La<br />
Boétie, a explicação é simples:<br />
Mas certamente para que todos os<br />
homens, enquanto têm algo de ho -<br />
mem, deixem-se sujeitar, é preciso<br />
um dos dois: que sejam forçados<br />
ou iludidos (...) Pela ilusão, eles<br />
muitas vezes perdem a liberdade,<br />
mas nisso não são enganados por<br />
outrem com a freqüência com que<br />
são iludidos por si mesmos (1986,<br />
p. 20) [destaque nosso].<br />
Produção do conhecimento versus produtivismo e a precarização do trabalho docente<br />
No entanto, este era o contexto<br />
do início da modernidade. Mas co -<br />
mo se configura, agora, aden tran do<br />
no período contemporâneo, essa<br />
questão da liberdade/sub mis são? À<br />
medida que o tempo passa, a face re -<br />
vo lucionária da burguesia vai se es -<br />
gotando e criando estratégias para velar, en co -<br />
brir, dissi mu lar, mascarar a manutenção de um<br />
status quo on de o domínio não é mais de um so -<br />
bre todos, mas de uns, melhor dizendo, de uma<br />
classe sobre as outras. É nesse contexto que o<br />
con traditório conceito de “servidão volun tária” 14<br />
ganha (re)di mensão. Mas será que a força e a ilu -<br />
são abran gem todas as situações que compõem o<br />
Se não se registra mais a<br />
existência da escravidão e<br />
da servidão clássicas, como<br />
elementos compulsórios<br />
para alguém fazer o que<br />
não faria se pudesse se<br />
autodeterminar, quais são<br />
os elementos, os fatores<br />
que nos ajudariam a<br />
entender por que<br />
desempenhamos tantas<br />
tarefas; por que assumimos<br />
tantos compromissos; por<br />
que a “indução voluntária”<br />
é tão forte que fazemos<br />
mais do que queremos e<br />
fazemos coisas que não<br />
queremos ou até fazemos<br />
em tal extensão e<br />
intensidade que as doenças<br />
físicas e psicossomáticas<br />
estão atingindo proporções<br />
assustadoras?<br />
leque da servidão, nesse período e na atualidade?<br />
Utili zan do-nos de expressões de La Boétie, quais<br />
são as “iscas da servidão, o preço da sua liber da de,<br />
as ferramentas da tirania”, hoje? (p. 27). “Qual é a<br />
doçura venenosa que adoça a servi dão?” (p. 28).<br />
“Qual é a força e o segredo da do minação?” (p.<br />
31). Ou ainda, o que torna a atual “servidão” ob je -<br />
to de desejo? Ou ainda, falando na pers pec tiva de<br />
Bour dieu (2004): qual é a dá diva que nos faz contrair<br />
tamanha dívida, nes sa dialética entre pre -<br />
miação e casti go?<br />
No Estado burguês, ao invés da<br />
compulsoriedade, do mecenato ou<br />
do nepotismo 15 , o meio de recru ta -<br />
mento de pessoas para assumir car -<br />
gos, desempenhar funções, serem<br />
promovidas torna-se a merito cra -<br />
cia 16 . E isto passou a valer para as<br />
fun ções típicas de Estado, para a or -<br />
ganização das burocracias, como<br />
também para as universidades.<br />
Mas, se não se registra mais a<br />
existência da escravidão e da ser vi -<br />
dão clássicas, como elementos com -<br />
pulsórios para alguém fazer o que<br />
não faria se pudesse se auto deter mi -<br />
nar, quais são os elementos, os fa to -<br />
res que nos ajudariam a entender<br />
por que desempenhamos tantas ta re -<br />
fas; por que assumimos tantos com -<br />
promissos; por que a “indução vo -<br />
lun tária” é tão forte que fazemos<br />
mais do que queremos e fazemos coi -<br />
sas que não queremos ou até fa zemos<br />
em tal extensão e inten si dade que as<br />
doenças físicas e psicos so máticas<br />
estão atingindo propor ções assusta -<br />
doras, como tão bem evi den ciam, en -<br />
tre outros, Codo et al. (1999), ao abordar a sín -<br />
drome de burnout; Sennett (1999) ao tratar d´A<br />
cor rosão do caráter, enfocando as “con seqüências<br />
pessoais do trabalho no capita lis mo” e, mais re cen -<br />
te mente, A fábrica da infeli ci dade, de Berardi (2005)?<br />
Se, na escravidão e na servidão, o pressu pos -<br />
to básico é a compulsoriedade, quais outras apa -<br />
re cem quando estas condições deixam de existir?<br />
DF, ano XVII, nº 41, janeiro de 2008 - 147