ordens de Indara e se abaixando quando era necessário. Seu irmão costumava ser bem desobediente.Fazia birra e quase matava o pai de vergonha algumas vezes. Crianças são seres complexos, ela pensou.Mesmo que nunca na vida quisesse ter uma, as admirava. São fortes, muito além do que os adultospensam que ela são.Em um corredor, Indara precisou parar para observar o que acontecia. Estavam nos arredores dapraça central. Boa conhecedora que era dos corredores de Tau 3, ela conseguiu evitar qualquer pessoaque pudesse perguntar quem era e o que estava fazendo ali com quatro crianças. Viu várias pessoasajoelhadas na praça central, de cabeça baixa. Eles teriam invadido a colônia? Qual era o crime? Odiavaficar sem respostas.As crianças ameaçaram chorar e ela devolveu um olhar irritado para elas. Estavam com fome.Claro, tinham passado as últimas duas horas rodando por corredores e dutos de ar, escondidas desoldados e pessoas armadas por todos os cantos. Enfiou a mão no macacão. Ainda tinha as maçãsdesidratadas, que todos comeram. Indara deixou a maioria para elas, comeu uma ou duas apenas paracalar o estômago. Não tinha fumaça pelos corredores onde estavam. Nem havia marcas de fuligemtambém. Um sinal de não haver danos estruturais naquela área.Conforme prosseguiram, notaram a limpeza do chão e a integridade de portas e passagens.Estavam em uma área não danificada. Estava cansada, com dor no corpo, a cabeça batia como umsino e as crianças estavam irritadas, com sono, choramingando. Foram necessários alguns gritospara que continuassem andando. E um desses gritos foi alto demais. Um tiro quase acertou a testa deIndara se ela não tivesse virado para berrar algo mais para as crianças. Arrastando todas elas em suacorreria, cruzando corredores, fechando portas, atravessando passagens de mercadorias e de transportadoresde lixo, Indara se aproximou do setor habitacional. Ouvia ordens atrás de si acompanhadasde mais um tiro.Uma criança gritou. Um tiro de raspão na perna. Carregando a menina, Indara corria, arrastava,se esforçava, tentando tirar os pequenos da zona de tiro e foi quando viu alguém da administraçãocolonial, nervosamente conversando com um oficial armado, que parecia bem aborrecido.Ambos viram a gritaria e a correria. Quando o Oficial ergueu o rifle, o Administrador se pôs nafrente. Não faça isso!, ele berrou e Indara ouviu agradecida. São moradores de Tau 3, não faça isso!Ué? Precisava avisar quem era morador e quem não era? A colônia fora invadida por terroristas e elaquase morrera com um tiro na cabeça. Será que a confundiram com um deles?Sentada no chão, recebendo tratamento na testa e um remédio para dor, Indara ouvia a conversado Administrador. Tinham danos estruturais nos blocos administrativos e de manutenção, na garagem,nas oficinas, nos depósitos. Mas a estrutura de água, as estufas e o Centro Médico estavam em ordem,assim como o bloco de alojamentos.Indara viu o Urgente. Ele estava algemado, de cabeça baixa, junto de outros cinco, escoltadospor soldados. Foi então que num momento de esclarecimento, um momento único na vida de Indara,ela entendeu o que aquilo e tudo o que viveu queriam dizer. Desde o momento em que sua mãe morreu,em que seu irmão padeceu de fome e que seu pai enlouquecer, Indara era vítima do jogo entre o maisforte e o mais fraco. Vendo aquelas seis pessoas escoltadas por soldados do Consórcio Terra, foi possívelperceber o que de fato ocorrera em Tau 3.As tropas devem ter recebido alguma dica sobre a presença de terroristas procurados no setor deTau Ceti e invadiram a colônia violentamente. O momento em que seu corpo girava no veículo naoficina retornou em sua cabeça e ela precisou se ajoelhar e vomitar. Um enfermeiro a auxiliou, dandolheum copo com água para lavar a boca e o rosto sujos de sangue, bile e poeira.102LADY SYBYLLA
Não somos terroristas, porra!, ela pensava. Não somos! Só queremos viver em paz! Alimentarnossa família! O que pensam que a gente é, caralho?!As crianças correram para os pais, pessoas abastadas logo se via. Executivos da 4Diamonds,com certeza, que chegaram afobados, assustados, abraçando as crianças que Indara salvou. Um delesouviu a história do Administrador, que apontou para a raquítica moça de macacão de oficina caída nochão. A mãe de uma delas se aproximou, passou a mão em sua cabeça, agradeceu pelo ato heroico emum momento de tamanho desespero e se afastou. Parecia que tudo estava em câmera lenta.Do carro da Polícia Militar do Consórcio Terra, agora Indara podia ver o símbolo na fuselagem,olhos escuros a observavam. Era o Urgente, aquele que lhe encarara no corredor. Será que pensava queela teria dado a dica? O que aqueles olhos queriam dizer?“Você salvou a vida dos abastados, não foi? E o que isso mudou a sua própria vida? O que vocêfez de diferente até agora, heroína?”A viatura ficou ali por alguns segundos e partiu.4— Bom dia, Tau 3! Mais um dia glorioso em Tau Ceti! Que belo dia para a colônia! Aqui é a suarádio colonial, transmitindo em todas as frequências para o estaleiro orbital e para os assentamentos!Não sei se devo dizer que é um belo dia depois do que houve ontem, não é mesmo? Forças da PolíciaMilitar do Consórcio Terra estacionadas em Tau 1 invadiram a base ontem buscando terroristas quepudessem ter participação com o atentado em Marte. Mas convenhamos, eles teriam tido tempo deretornar do sistema solar para Tau Ceti? Não sei, não, isso tem que ser investigado direito. Seis terroristasforam presos, mas tivemos dezenas de feridos e vinte euma mortes para a colônia. E tivemosuma história emocionante ontem, quando uma funcionária da oficina conseguiu tirar quatro criançasda zona de conflito e as levou em segurança para os braços dos pais. Bonito, não é? Mas tirando isso,a Administração Colonial está convocando voluntários para a limpeza nos blocos afetados pela entradaforçada dos PMs. Por que não usaram a porta como todo mundo faz? Enfim!Indara desligou o rádio, pegou a sacola e fechou o alojamento pela última vez. Olhou por ummomento para o ambiente pobre e descuidado antes de fechar aquele capítulo de sua vida. Na sacolatinha frutas secas, queijo, leite de soja, carne processada. Andava com um sentimento renovado, nãosabia bem por quê. Seu rosto ficou conhecido por toda Tau 3, mas ela não gostava desse reconhecimento.Continuava sendo a Indara de sempre, pobre, faminta, subnutrida. Salvou filhos de ricos, enquantoseu irmão era um cubo de cinzas que ela carregava na mochila com seus poucos pertences.Chegou ao Centro Médico assim que o horário de visitas começou. Registrou seu nome naentrada da ala psiquiátrica e o enfermeiro a levou para uma sala particular de refeições. Seu pai estavalá, olhando pelas escotilhas para o lado de fora, vendo os robôs de mineração no poço mais próximo.Indara entrou em silêncio, fechou a porta e começou a montar o café da manhã na mesa, colocandocanecas para tomarem o leite, cortando o pão, o queijo, pondo frutas secas num pratinho.— Pai? É Indara. — Sua voz saiu incerta.— Gira-gira — e ele rodopiava o dedo no ar.— Tudo gira, pai.Ela colocou a mão em seu ombro, sentindo as lágrimas penderem dos cílios. Era mais um diaglorioso em Tau Ceti.MAIS UM DIA GLORIOSO EM TAU CETI!103
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