sabe. Provavelmente teriam visto aquele grupo de pobres coitados pulando e gritando como loucos,talvez em desespero por ver seus salvadores partindo. Entretanto quem estava no solo viu apenas umaenorme, ruidosa e alucinada festa da vitória. Uma pequena mulher ruiva ria sem controle, beirando ahisteria, e era jogada para o alto, beijada, abraçada e celebrada como a verdadeira salvadora da Terra.Demoraram uns bons dois séculos para que os Katels voltassem a ouvir falar daquele planetinhasujo e miserável do qual escaparam tão alegremente. Na verdade, foi durante a interceptação de umsinal de comunicação entre duas espécies que comentavam a estratégia humana para se livrar doinvasor implacável sem um único tiro.Os ditos invasores ficaram confusos e coçaram a cabeça grande, querendo saber do quediabos estavam falando. Foram os Altigrons, uma raça menor que vivia bem na ponta do braço deSagitário, que deram com a língua nos bicos córneos e entregaram todo o jogo, quando a invasãochegou e não conseguiram encenar direito o golpe. Isso explicava porque no último século cruzaramcom várias espécies falidas e doentes que imploravam por ajuda. Isso deixou os Katels furiosose envergonhados para diabo.Houve uma discussão acalorada sobre se deviam reverter o curso e pilhar um por um ossafados mentirosos que os tinham enganados, mas por fim venceu a determinação de ir direto àfonte da humilhação e acabar logo com a brincadeira, deixando bem claro o que acontece comespertinhos. O problema era que tinham um longo caminho pela frente e seus recursos estavambem limitados por causa da falta de pilhagem decente. Mas nada estimula mais um gigante envergonhadodo que o desejo de vingança.A rota direta foi traçada, os motores foram ativados e os Katels meteram o pé bem fundo noacelerador, direto para a lição mais dura que iriam aplicar desde... Bem, ninguém conseguiu selembrar de algo parecido em milhões de anos de história! A fúria dos Katels era tão grande que foium milagre toda a espécie não ter morrido de úlcera gástrica, se é que podiam ter algo assim.Demorou cinquenta e três anos para alcançar o alvo. Chegaram sem qualquer sutileza, declarandoguerra e deixando bem claro que rendição não era uma alternativa sequer cogitada. Os problemas começaramquando a primeira leva de naves (o mesmo grupo batedor que fora enganado e humilhado tantotempo antes) retornou para o corpo principal da armada muito mais cedo do que imaginavam – e pior,com terríveis notícias. Os humanos tinham aproveitado muito bem o tempo e souberam se preparar paraum possível retorno dos Katels ou mesmo um ataque de outra espécie de invasores. Seus relatóriospreliminares não foram nem um pouco animadores e causou uma verdadeira onda de choque quando“sugeriram fortemente” um contato diplomático com a Terra antes de iniciar hostilidades.Quando a grande nave-capitânia cautelosamente adentrou o sistema Sol, foi escoltada porcentenas de couraçados terrestres, cada um deles no mesmo nível dos saqueadores Katel, reluzentes,poderosos e com seus armamentos bem a mostra. A cada planeta que cruzavam rumo à Terra,passavam por milhares de fortalezas defensivas com incontáveis canhões de todos os tipos, prontospara brincar, sem falar dos enxames intermináveis de naves menores, tão ágeis e velozes quesequem podiam ser acompanhadas pelos artilheiros. Mas o pior mesmo foi o satélite terrestre, umainexpugnável esfera defensiva com dois gigantescos postos de batalha localizados em cada polo,estaleiros e portos cruzando todo seu equador e um número incalculável de baterias de mísseis. OsKatels não suavam, mas quase desenvolveram essa habilidade num curto espaço de tempo.124MARCELO JACINTO RIBEIRO
O convite para um encontro diplomático veio sem pressa e sequer cobrou uma resposta. O conselhogovernante Katel brigou entre si por dias, discutindo sobre o que fazer. Muitos queriam partirdiretamente para a guerra e lavar sua honra com sangue, mas as informações da inteligência deixarambem claro que a Terra havia realizado o impensável: criara uma armada e um sistema defensivo tão bomquanto o dos Katels. Na verdade havia a terrível suspeita que AS DÉCADAS de pilhagens fracas erecursos pífios tivessem enfraquecido a armada além do ponto em que poderiam sequer empatar em umcombate direto contra a Terra. Alguns poucos até levantaram a aterrorizante possibilidade de... derrota!Por fim decidiram seguir com o jogo e cobrir a aposta, querendo saber que raios de cartas oshumanos tinham nas mangas. Milhares de sondas exploradoras foram lançadas por todo o sistema Sol ecorreram para todos os cantos coletando o máximo de informação possível. O que apenas aumentou apreocupação do invasor, já que os humanos não moveram um dedo para impediR A ESPIONAGEM.Foi bem pior do que imaginavam. Não era um jogo de mentiras e não havia blefes dessa vez:aquela impressionante máquina de guerra era real, assustadora e pronta para dançar. Não restoualternativa senão engolir o orgulho, descer e conversar. O encontro diplomático aconteceu na mesmacidade onde tinham pousado séculos antes, mas dessa vez viram uma metrópoles gigantescainserida dentro de uma sociedade espacial. Dezenas de espécies alienígenas participaram da recepção,inclusive várias que tinham sido “visitadas” pelo Katels nas décadas anteriores, espécies quenaquela época sequer tinham condição de se sustentar. Os embaixadores tiveram que engolir seuódio e seguiram o protocolo, sendo cordiais e polidos.Mas não paravam de olhar em volta e admirar o enorme avanço dos humanos num período detempo tão curto. Perguntaram polidamente como isso tinha sido possível e obtiveram uma respostaeducada de seu anfitrião, um humano saudável e orgulhoso:— Oh, vocês querem dizer, como nos tornamos um império? Ora, na base da diplomacia ecolaboração, com muito esforço. Principalmente na parte do intercâmbio de experiências etecnologias. Nossos colegas de outros mundos nos forneceram seus avanços científicos e fomosjuntando um pouco daqui, outro pedaço dali, e voilá, aqui estamos!Mesmo para os padrões Katel era impossível engolir aquela conversa fiada, mas continuaramperguntando: e os humanos, o que tinham para trocar? Minérios, medicamentos, comida?— Não, não, toda a galáxia sabe que isso pode ser conseguido em qualquer lugar, basta umpouco de trabalho duro e honesto. Nossa contribuição foi cultural: ensinamos atuação artística,jogos de azar e principalmente estratégia MILITAR secular, nada demais. Incrível como algumaspessoas se contentam com pouco, sabem? Somente precisam ter bom gosto para apreciar isso. Eum mínimo de inteligência.E os humanos continuavam sorrindo educados e polidos, PASSEANDO ENTRE A MULTI-DÃO. Mas bastava os Katels SE AFASTAREM UM POUCO DAS PESSOAS para as risadassurgirem, às vezes contidas, outras abertas numa sonora gargalhada. Seguiram em frente desejandoque o chão daquela maldita rocha se abrisse e os engolisse, mas não tiveram tanta sorte, pelocontrário. A pá de cal definitiva foi a recepção preparada pelos humanos no maior parque do seuplaneta, o local onde um gigantesca estátua homenageava a Salvadora da Terra, a mulher queusando apenas palavras evitou a guerra, a escravidão e a decadência.A estátua refletia sua filosofia, imortalizando-a na imagem que ganhou o planeta logo após apartida dos Katels, mostrando não uma pose ousada e destemida contra o universo, mas sim umamulher simples com sua mão direita aberta próxima do rosto, soprando um singelo beijo de adeusdos lábios eternamente sorridentes.SE NÃO PODE VENCÊ-LOS...125
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