Virou-se para a porta quando a ouviu deslizar. Dois servos entraram, mas não lhes deu importância,apenas quando o duque, um hatoloniano baixo usando joias em excesso, assomou àporta foi que a comandante fez uma leve mesura.— Barão Malaty. É uma honra poder recepcioná-lo aqui na fronteira do Império.Sentado atrás de sua escrivaninha, o Diácono Bafur meditava sobre a bipartição carne-alma.Sim, pois para ele não havia dúvidas de que todo ibadânio possui uma alma e essa alma só estavapresa à carne pelos frágeis laços da vida. Rompida essa delicada ligação, a alma estaria livre parahabitar qualquer outro invólucro e não necessariamente a mesma carne. Justo ele, que sempremantivera uma postura cética perante as coisas imateriais.Contudo os últimos eventos o haviam deixado menos pragmático, mais aberto aos mistériosdas intervenções divinas. Até dois ciclos antes vivia sem atribulações. Tinha seu lugar garantidodentro da estrutura eclesiástica, servindo diretamente ao Patriarca de Tar-Marat, homem sábio einfluente junto ao clero superior. Então o bom religioso falecera subitamente, um aneurisma cerebral.Seu clone, cinquenta ciclos mais jovem, assumira o cargo. Bafur, sempre prestativo, tratara de oferecerao novo superior as mesmas prendas que fornecia ao antecessor, afinal, mesma carne, mesmasnecessidades. Que tolo, a carne era a mesma, mas a alma era outra. Fora acusado de lascívia e pedofiliae exilado para a distante fronteira com o império hatoloniano, para servir a um abobado presbítero.Felizmente, Kazat, o Justo, não o abandonara. Quando estava para desistir de qualquer chancede ascensão social, Saarn, a Bela, se manifestou em beleza, luz e energia a poucos milhares dequilômetros da estação. Estavam abertas as sendas para o sucesso, e ele, Diácono Bafur, era umibadânio com perspicácia e coragem suficientes para atravessá-las.Realmente, aquele não era o dia de sorte de Lúcifer K. E não foi apenas o fato de ter perdidoparte dos ganhos na mesa de bacará. O que o incomodara foram os dois clérigos de Ibadan que oergueram pelos braços e o levaram para fora do cassino clandestino. Escoltado até os níveis interiores,foi introduzido numa sala mobiliada com caros e raríssimos móveis de madeira. O ar eraúmido e frio. Do outro lado da mesa, o Diácono Bafur sentava-se esparramado no que para LúciferK parecia um sofá.— Não sei o que está acontecendo, mas eu sou inocente — tratou de se justificar. — E tenhotodos os comprovantes de pagamentos dos impostos.Bafur agitou displicentemente um de seus quatro braços. Braços gordos ligados ao tóraxenvolto em largas camadas de tecido adiposo e que terminavam cada um em quatro roliços dedosenfeitados por anéis coloridos. As roupas largas de um amarelo-claro grudavam na pele marrom eúmida do ibadânio.— Eu sei, eu sei! Afinal sou eu quem emite os comprovantes por uma pequena e simbólicataxa. — Olhos pequenos e negros espreitaram pelas pálpebras gordas. — Soube que você tem umcargueiro-ligeiro?8AGUINALDO PERES
Lúcifer K se ajeitou o melhor que pode na cadeira desconfortável e relaxou. O gordão queriafalar de negócios.— Isso mesmo! Uma Megalon adaptada para transporte de carga e passageiros. Não é muitogrande ou confortável, mas com certeza é uma das melhores naves hatolonianas. Rápida e ágil.— Muito útil no seu ramo de trabalho. — Lúcifer K apenas sorriu de volta como resposta aocomentário. — Normalmente eu utilizaria um dos transportes regulares do clero. Mas infelizmenteainda demorará alguns ciclos e a carga precisa ser entregue com urgência em Tar-Babir.— Carga perecível, hein?— Viva, para ser mais preciso. Mas não há necessidade de saber o que é. Você pegará ocontêiner lacrado e o entregará lacrado em Tar-Babir em dois dias.Para Lúcifer K a coisa agora era óbvia. O sacerdote gordo havia negociado o exílio de algumendinheirado. Alguém que podia ser reconhecido se permanecesse muito tempo em Shah-day,quem sabe um político em desgraça ou um criminoso procurado. Mas isso não importava. Negóciossão negócios.A solenidade a entediava. Por mais que Salariel procurasse, não conseguia encontrar ninguémque lhe despertasse interesse. A comitiva do barão mostrara-se tão insípida quanto o próprio. Atémesmo o comandante do cruzador acabou provando ter a mentalidade burguesa digna de um solariano.Caminhava perto das mesas e dividia sua atenção entre os estranhos quitutes alienígenas e osconvidados da recepção. Tinha que admitir que os ibadânios sabiam organizar uma festa. A mesaera farta e disposta em níveis de altura adequados às várias espécies presentes. Esticou o braço epegou uma frutinha translúcida e rosada. Com uma mordida suave rompeu a pele fina e o sumolevemente azedo espalhou-se pela boca.Foi com alivio que viu o Barão Malaty adentrar o salão acompanhado pelo idoso PatriarcaCrocir. Logo a parte cerimonial terminaria e ela poderia retornar às suas atividades. Isso se sobrevivesseao tédio e ao mal gosto do barão. Roupas extravagantes e adornos reluzentes. Estaria eleenvolvido em algum tipo de competição com o senil patriarca de Ibadan?Em outro ponto do salão, Lúcifer K aproveitava a boca-livre e atacava sem nenhum pudor obufê, empilhando no prato de cristal qualquer coisa que lhe parecesse comestível. Naquele instanteestudava com desconfiança uma espécie de camarão esverdeado. Guloseima ou veneno?Desistiu da iguaria quando percebeu pelo canto de olho a aproximação da Tenente-CoronelSalariel. Afastou-se discretamente. A rigorosa hatoloniana era a última pessoa na estação que elegostaria de encontrar. Oculto atrás de um grupo de convidados, aproveitou para estudá-la. Não erabonita. Era magra e alta demais, em torno de dois metros e dez. O peito reto como tábua. Afinalnão são mamíferos. Pelo menos as ancas largas permitiam algumas ideias mais voluptuosas. A peleazulada era exótica e, sabia por experiência, sedosa ao tato. Balançou a cabeça para afastar osestranhos pensamentos, seu novo contratante lhe acenava.Atravessou o salão até onde o Diácono Bafur conversava com um hatoloniano.SHAH-DAY9
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