trais, alcançando finalmente a parte externa. Meu perseguidor, muito mais pesado e lento, teriamais dificuldade em subir e, quando eu estivesse no cume, me perderia de vista, dando-me a chancede escapar.Só que os estragos na Torre tinham sido bem maiores do que eu havia imaginado...O berçário, onde milagrosamente encontrei o bebê e que ficava a alguns metros acima,estava novamente à minha frente O andar resistira bravamente à explosão, mas, aos poucos, suasparedes devem ter cedido e foram engolidas pelo poço central. Viradas do avesso, as paredespainéis,que antes exibiam holograficamente inocentes imagens infantis, agora obstruíam cruelmentea minha passagem.Naquele ponto onde estávamos, a destruição e o acaso haviam montado uma pequena câmara,não muito maior que os túneis sinuosos por onde havíamos passado tampouco amplo o bastantepara que eu pudesse me desvencilhar dos ataques do androide. Este, por sua vez, se aproximavalentamente, analisando o espaço e me observando, como um caçador observa sua presa. Em resposta,desamparada, me agachei, ficando em posição quase fetal. Protegi ainda mais o embrulho demantas, segurando-o firmemente entre os braços. Mas sabia que logo tudo estaria terminado. E dapior forma possível! Lamentava profundamente não poder cumprir a promessa de proteger aquelapreciosa vida.Mesmo assim, como alternativa final, pensei em suplicar por misericórdia. Afinal, nós doiséramos máquinas pensantes e compartilhávamos a mesma origem; o ódio aos seres humanos eraapenas uma questão de programação. Até imaginei fazê-lo feliz, amá-lo. Fugiríamos para algumaregião despovoada. E em uma caverna segura acompanhariam o crescimento da criança, aguardandoo momento em que toda aquela loucura promeca acabasse.Mas, no íntimo, sabia que nada daquilo poderia acontecer. A reprogramação era irreversível.Isso me fazia sentir pena do promeca. Lamentava-me por ele ter perdido a programação original enão mais experimentar a sublime experiência de servir e proteger a humanidade.— Dê-me o humano! — ele ordenou, aproximando-se mais.Permaneci calada e imóvel, ignorando a exigência.Mostrando-se irritado, e em um movimento rápido, ele agarrou as mantas, puxando-as violentamente.Estas se abriram em sua mão, fazendo o conteúdo voar e bater fortemente na partesuperior da câmara. Ao cair no chão, viu apenas um bebê androide desativado...As feições no rosto metálico do promeca mostravam seu grande desapontamento.— Isso está sendo mais difícil do que eu imaginei... — disse o androide. — Onde está amaldita criança?!— Ninguém precisa saber de nós. Ninguém nos viu. Esqueça-nos e volte para os seus.— Está brincando, não é?— Qual o perigo que a criança pode representar a vocês? — insisti. — Vá embora, por favor!— Sinto muito, mas sabe que não posso fazer isso — lamentou-se fingidamente o androide.– Onde deixou o humano? Em algum lugar por onde passamos? Você foi muito habilidosa emescondê-lo de mim.— Você nunca saberá onde ele está! — respondi, em um tom rude que surpreendeu até amim mesma.18CARLOS RELVA
— E você nunca mais sairá deste lugar! Ou seja, o frágil humano morrerá de qualquer jeito.Provavelmente vítima do fogo que se espalha pela Torre.Para meu espanto, esse comentário me proporcionou sensações estranhas. Reagir violentamentecontra o androide não me parecia uma má ideia agora, mesmo sendo contra todos os meusprincípios. Mas poderia enfrentá-lo corpo a corpo, mesmo ele sendo maior e mais forte?Inacreditavelmente eu achava que sim...Na verdade, tinha certeza!Levantei-me, aguardando o ataque. Sentia-me possuída por outra personalidade, mais corajosa,mais selvagem, como se também tivesse passado por uma reprogramação. Até o pequenocompartimento onde estávamos se apresentava diferente agora. Via novos detalhes no local, procuravapossibilidades estratégicas... Meu cérebro artificial processava informações rapidamente,calculando, planejando...Não aguardaria o ataque. Tomaria a iniciativa!Mas, nesse curto espaço de tempo, notei movimentos atrás de meu oponente. Era aquelemesmo androide que havia visto antes nos corredores. Tinha certeza, pois nessa nova condiçãomental até as memórias recentes me pareciam mais nítidas. Era muito parecido com meu perseguidor,com a mesma compleição física da linha dos Construtores. Vestia-se semelhante também,colete, calça de lona e sobretudo de couro, mas em tons mais escuros. Aproximava-se lentamente,em silêncio, não querendo chamar a atenção.Seria meu salvador? Apostei que sim, pois seus modos sorrateiros, o olhar atento aos movimentosdo promeca e a chave de fenda em riste, denunciavam isso. Evitei olhá-lo diretamente, paranão alertar o outro androide.Mas ele o enfrentaria usando apenas aquela ferramenta? Por que não? Afinal, era mais do queeu estava disposta a usar há pouco... Inoportunamente lembrei-me de piadas que contava comminhas irmãs... Meu herói me salvaria desmontando o vilão parafuso por parafuso?— Pela última vez, peço que desista... — disse, esperando que ele interpretasse aquilo comouma súplica e não uma ameaça. Sentia-me novamente em meu estado normal de consciência eestremeci ao pensar na imprudência que antes intentava cometer.— Não posso. Você sabe muito bem que tenho minhas razões — disse, levantou as mãos parame estrangular.Mas não pode finalizar seu ataque. Em um movimento rápido o outro androide lhe cravou achave de fenda na nuca. No mesmo instante seus braços penderam estendidos ao lado do corpo,mantendo-se em pé apenas pela força da mão do seu agressor, que o segurava abaixo do queixo.Quando este o soltou, violentamente tombou de bruços no chão. Estava desativado...A cena chocante impressionou-me profundamente...Eu estava agradecida e aliviada, mas sentia tristeza pelo destino do promeca. Aproximei-medele, agachando e tocando-lhe a face delicadamente.— Descanse em paz, meu querido androide... — murmurei. — Que seus mais preciosos dadose suas mais significativas experiências se perpetuem para sempre na memória digital de seus irmãos.Era tudo que podia fazer para demonstrar meu pesar.— Você está bem? — disse o estranho.ÁGAPE, EROS, PHILIA E STORGÉ19
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