aços e as mãos bastante queimados. Após o tiro o braço que sustentava o corpo enquanto miravadeixou de suportar o peso e ele despencou na areia do deserto. Tentou levantar-se enquanto Lina seaproximava rapidamente. O máximo que conseguiu foi rolar de barriga para cima e olhá-la, arfandoruidosamente. A pistola do soldado estava descarregada, mas Lina jogou-a longe de qualquermaneira. O alienígena não fez qualquer menção de falar, apenas parecia vagamente consciente dapresença dela. Talvez até achasse que a tinha matado, pela calma que aparentava.Lina apontou a pistola para a cabeça do itiano que nem mesmo fechou os olhos. Disparou. Otiro de energia fez um buraco limpo exatamente na testa do atacante, que estremeceu e deixou de arfarcom um último ruído rouco que fez Lina sentir-se gelada. Menos um infeliz no universo, pensou.O inimigo provavelmente tinha se agarrado à parte exterior da nave quando Lina decolou,sofrendo os danos corporais no acionamento dos motores e na queda. Sem dúvida era uma raçaextremamente forte fisicamente.— Que seu corpo seja devorado por mil piolhos, quinhentas pulgas e setecentos e oitentacarrapatos — disse-lhe, prestando uma homenagem ao guerreiro caído.A noite negra avançava quando ela sentiu que não suportaria caminhar mais. Tinha subidototalmente a rampa que começava onde deixara o itiano morto. Depois de chegar ao topo continuarapor uma descida suave até um novo platô mais abaixo. Pelo seu sinalizador, faltavam muitosquilômetros até a base. Muitos mais do que suportaria com suas provisões de água e soro, tomadasdos itianos. O último soldado não tinha nada exceto a pistola que ficou descarregada. Lina deitousenovamente em uma cama de areia cavada no solo e contou estrelas. Dormiu algumas horas nofrio da madrugada, coberta de areia.Carina-1469 começava a surgir no horizonte e Lina agora se deslocava com dificuldade emuma nova e íngreme subida. As provisões de água racionadas somente chegariam para mais um diacom muita sorte. Não sobreviveria ao seu quarto dia na superfície do planeta após o ataque itiano,caso não encontrasse água ou outra fonte de umidade. Ao chegar ao topo deu com uma planície quese estendia tão vasta que a vista não alcançava seu final, mesmo com a recém-iniciada luz do dia.A planície era pontilhada por milhares de pilaretes negros de dois a dois metros e meio dealtura, formados por pedras arredondadas colocadas umas sobre as outras com quarenta e cincocentímetros de diâmetro em média. Era como se alguém tivesse colocado gigantescas pedras dojogo de damas umas sobre as outras em pilhas ao longo de uma planície. Ou se fosse um gigantescocampo de dedobol.Entre um pilarete e outro, havia um espaço de cinco a dez metros de distância de chão marrom,pontilhado com milhares de manchas brancas. Resultava em uma visão realmente incrível,como se fosse algo feito por uma civilização de ascetas que morassem em seus topos sem precisarde comida ou bebida, uma cidade de faquires indianos que desapareceram, mas antes grudaramchiclete velho por todo o chão!Lina começou a caminhar entre estes pilaretes e, agora que não se encontrava no alto emrelação a planície, sentia como se estivesse no labirinto mitológico do rei Midas. Examinou maisde perto as pedras que compunham as formações e viu que eram totalmente lisas. As manchas72LEONARDO CARRION
ancas no solo pareciam gotas de tinta ou chiclete amassado no asfalto. Lina comeu algo dasprovisões de emergência e subiu em um dos pilaretes para examiná-lo de cima e para ter uma visãopanorâmica dos demais. Em seu topo encontrou uma concavidade como uma panela, lisa, polida eperfeita demais para ser natural. De onde estava avistou iguais formas nos pilaretes próximos.O local começava a deixá-la apreensiva de uma maneira que não conseguia entender. Apesardisso continuou seguindo a direção apontada pelo instrumento localizador sem apressar o passo emais cautelosamente possível. Apenas o silêncio a acompanhava.Levaria ainda vários dias para alcançar as montanhas a pé, muito mais dias do que os disponíveispara sua sobrevivência pelo que restava de água.Com o sol alto, Lina tinha andado vários quilômetros naquele labirinto quando avistou oprimeiro pássaro parado sobre um dos pilaretes. Imediatamente parou atrás de uma das pilhas depedra para não ser tão obviamente visível pela criatura. Agora, olhando mais detidamente, conseguiaver que o animal era bastante distinto de um corvo terrestre. Na verdade talvez nem fosseum pássaro, já que se assemelhava mais a um réptil, como um pterodátilo em miniatura. Suacabeça não tinha nada semelhante ao dinossauro voador. Não era pontuda nem tinha o bicocaracterístico. Era cilíndrica e achatada no alto e, na extremidade de baixo, desciam algumasprotuberâncias moles como se fossem tentáculos de um polvo. Tinha olhos pequenos e prateadosnas laterais, perto do topo achatado. As asas, sim, eram o que davam a impressão de pterodátiloporque eram membranosas e se viam os ossos através de sua pele. O ser tinha ainda duas pernasterminadas em garras com aparência de serem muito fortes, com dois dedos desproporcionalmentegrandes e afiados – um para frente outro para trás, ladeados por dezenas de dedinhos comoraízes de uma samambaia.Lina decidiu avançar cautelosamente. Como a criatura somente a observasse sem esboçarqualquer reação, continuou seu caminho deixando o ser empoleirado no ninho. Deu-se conta deque começara a pensar nos pilaretes como ninhos. Talvez a ideia já estivesse permeando seu subconscientehavia mais tempo, especialmente pela forma côncava que existia no topo de cada um.Adiante, menos de cem metros após ter encontrado o primeiro pássaro, Lina tornou a encontráloempoleirado em outro pilarete, desta vez observando-a deliberadamente e meneando a cabeça aqualquer movimento que ela realizava. Na verdade não sabia se era o mesmo que mudara de lugarou se tratava de outro. Aparentemente poderia ser o mesmo. Preferia que fosse o mesmo. Destavez, o animal lançou-lhe olhares bastante belicosos, estendendo e contraindo os tentáculos quepoderiam ser sua boca. Talvez ela estivesse perto de filhotes da criatura. Conhecia diversas espéciesterrestres que não reagiam bem a animais estranhos próximo à cria. Resolveu dar a volta aoredor do pássaro para não provoca-lo.A ideia efetivamente não foi boa. Quando Lina começou a regressar e desviar, o pássarolevantou voo, circulando sobre sua cabeça em um diâmetro de dez metros enquanto emitia terríveissons agudos e vibrantes.Imediatamente houve uma revoada de pássaros que se levantavam de diversos ninhos aolongo de uma centena de metros, todos ecoando o mesmo chamado ensurdecedor em resposta aoprimeiro. Lina começou a correr, sem fazer mais observações.Enquanto corria disparada em linha reta na primeira direção em que pôde, sentiu a pedraatingi-la na panturrilha e caiu rolando no chão até colidir com um pilarete que sequer se mexeu.Como os pássaros conseguiam uma mira tão certeira?EL DESERTO E MIRALEJOS73
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