3. PhiliaEu era um líder promeca e, sentado em meu trono de corpos humanos, observei o grupo deirmãos androides que aumentava. Todos assistiriam à execução na praça central da cidade.A manhã estava ensolarada, valorizando ainda mais as linhas harmoniosas dos belos arranhacéusespelhados. A praça também era bela, demonstrando o trabalho primoroso de um Projetistaque soube ouvir a Música como poucos. Impressionava-me sobremaneira a escultura de plastaçoverde-água semitransparente em forma de fita que, em um falso ondular, contornava toda a praça ese mesclava ao jardim florido. Tudo estaria em uníssono, não fosse meu bizarro trono e sua poça desangue maculando a praça.Felizmente, quando chegamos a esta cidade, fomos recepcionados apenas por uma pequena resistênciaarmada formada por homens e máquinas. No mais, a cidade estava vazia. Todos tinham fugidoquando alertados de nossa presença na região. Como não houve confronto maior, tudo foi poupado,inclusive a Torre Central. Isso me trouxe grande satisfação! A paz e o silêncio lembravam as agradáveismanhãs de domingo em minha cidade natal, quando caminhava sozinho pelas alamedas. Naquele tempoeu era apenas um Arquiteto e não havia passado pela reprogramação. Não conhecia a Verdade...Aurípteros voavam por entre as árvores. Teria que eliminá-los também um dia...Meu melhor conselheiro aproximou-se hesitante, atrapalhando minha contemplação. Ele semprese comportava assim quando era portador de más notícias. As feições cheias de preocupação...Meus irmãos queriam sempre me agradar ao máximo, lamentando-se quando isso não era possível.Chegavam às vezes a mentir para mim. Pequenas e inofensivas mentiras, claro. E me temiam ereverenciavam além da medida. Não era para ser assim. E por mais que eu amasse todos eles, essasatitudes eram fatigantes.— Diga logo o que está lhe incomodando — acabei por dizer, um pouco irritado.— Os dois que deixamos em Ágape, meu querido irmão... Apenas um voltou.— Qual?— Aquele que se veste de negro — disse o conselheiro. Alguns reprogramados negavam atéseus antigos nomes e acabavam ganhando apelidos inusitados. — Chegou ontem à noite e não sereportou ainda.— Então o interrogue, oras!— Farei isso logo, meu querido irmão —dDisse com voz pausada, para me acalmar. Penseique se afastaria, mas continuou ao meu lado. — Tem mais uma coisa. Ele não está sozinho. Trouxeuma ginoide... E estão dizendo que é uma Ginoide da Torre.— Uma babá?! Então tragam-nos logo aqui!— Ele já se encaminha para cá, senhor. A ginoide não.— Me avise quando ele chegar. E encontrem essa ginoide — ordenei, gesticulando com amão para ele se afastar. — Aliás, onde estão os condenados? Quero acabar logo com isso.O conselheiro havia me chateado bastante com aquela notícia. Mas eu não podia culpá-lopor isso, era sua função me avisar de tudo o que acontecia. Somente esperava que daquela veztivesse sido apenas um mal-entendido. Gostava muito dos dois irmãos que havia deixado emÁgape e, apesar de novos na irmandade, já se mostravam eficientes no extermínio de humanos.Mas não podia esquecer que esse que havia voltado era realmente misterioso e, já haviam me26CARLOS RELVA
dito, hesitava em eliminar probios. Ele era um promeca que questionava ordens? Por estranhoque parecesse, isso me fascinava. E essa ginoide, então? Eu não via problema algum em meusirmãos se divertirem um pouco com uma ginoide não convertida, contanto que se livrassem delalogo. Mas uma babá?!Logo trouxeram os condenados à execução. Mesmo sendo um líder promeca, eu não sentiamais prazer naquele tipo de espetáculo. Preferia as execuções rápidas e discretas. Mas, infelizmente,meus queridos comandados gostavam de rituais e eu não podia decepcioná-los... Além do mais,eram instrutivos para os novos ingressantes na irmandade.Eram apenas sete desta vez, algemados e escoltados por dois promecas que os empurravam einsultavam, denotando desprezo. Achei aquilo exagerado, mas sabia que estavam apenas querendomostrar serviço. Esses poucos probios, e os homens que agora me serviam de assento, haviam sevoluntariado a ficar na cidade, para que o restante da população ganhasse tempo na fuga. Eu medivertia com a ideia de imaginar as dificuldades que os preguiçosos humanos deveriam estar enfrentandono deserto. Era uma questão de tempo encontrá-los todos.— Apesar de terem nos atacado, seremos misericordiosos — disse mecanicamente, com omesmo discurso de sempre. — Juntem-se à nossa causa e os pouparemos. São nossos irmãos e osamaremos como tal.— Vá para o inferno! — disse uma jovem e corajosa ginoide. E estúpida também...! Comoalguns androides podiam ser tão inflexíveis quando próximos do fim? E como alguns adjetivossoavam engraçado quando usados para nos descrever!— Hum... Que modos, minha jovem! — ironizei. — E não lhe contaram que o inferno é sópara os homens? É por isso que estamos fazendo de tudo para mandá-los para lá!Meus promecas riram. O humor é o que nos diferenciava dos robôs. E a ironia refinada era oque diferenciava promecas de probios.— A Central está vendo tudo o que estão fazendo! — acusou ela, tentando me amedrontar. Osdemais condenados acenaram positivamente com a cabeça, em sinal de acordo. Evidentemente, elaera a líder daquela pequena resistência.— A Central? A Central se esqueceu de nós há muito tempo! — retruquei. — Você aindamantém sua fé porque esta cidade não foi destruída! Mas se visse o que aconteceu com as cidadesa oeste... Ou mesmo em Ágape, sua cidade vizinha! Sabe quantos humanos pereceram? Sabe oquanto a irmandade já cresceu? Somos milhares! E o que a Central fez para evitar isso? Absolutamentenada! Nem uma pequena intervenção! Estamos todos por nossa conta, minha querida irmã.Desde que os humanos tomaram nosso lugar... E se nem as súplicas deles a Central ouve mais,imaginem as nossas...A condenada se calou. Minhas palavras eram fortes. Sempre foram, mesmo quando eu eraum simples Projetista insatisfeito. E eu me orgulhava de minha eloquência.— Você! — Apontei para “Aquele que se veste de negro”, que havia acabado de chegar e semisturava ao grupo de promecas. — Venha aqui.Dei-lhe minha arma. A ordem que daria a seguir me trazia dor, mas desvelaria algumas coisas...— Atire nessa pobre irmã — ordenei.Rapidamente ele mirou na líder probio. Ela, resignada, fechou os olhos. Pensei que dispararialogo, contradizendo meu conselheiro.ÁGAPE, EROS, PHILIA E STORGÉ27
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