Lúcifer K chegou à porta do contêiner e digitou a senha comprada de um ibadânio. A luzdentro do contêiner se acendeu, branca e brilhante, iluminando algumas dezenas de jovens e criançasassustadas, sentados em pequenos grupos no chão almofadado. Solarianos, debubianos,draconianos, outras raças e uma hatoliana.Ele encostou a porta e apoiou a testa no aço frio. Por quê? Por que tinha que ter uma criançahatoliana? Estou morto! O império vai me caçar até no inferno, me trazer de volta e executar-menovamente. Malditos hatolianos! Apesar do discurso de honra, eram tão cafajestes quanto qualquerrato de esgoto. Não se pode confiar nem na realeza. Lúcifer K sorriu da própria desgraça.Preciso fazer um acordo, preciso de um hatoliano vivo.Encontrou alguns guardas mortos e o Coronel Pation com parte da cabeça destruída por umtiro de fuzil. Também encontrou a Tenente-Coronel Salariel com as costas apoiadas num engradado.Ela lhe apontava a pistola, o braço apoiado no corpo do barão caído sobre ela.Lúcifer K ergueu os braços.— Eu não sabia! Juro que não sabia. Precisa acreditar em mim!Salariel continuou apontando a arma para o centro do peito do solariano.— OK. Você não acredita em mim, mas eu vou confiar em você. Vamos fazer um trato. Eusalvo você e as crianças e você alivia o meu lado. — Lúcifer K olhou para cima, a intensidade daluz estava aumentando. — Não temos muito tempo. O safado aí — apontou para o corpo do barão— deve ter alterado os protocolos. Seu pessoal não vai conseguir interromper o processo de esterilizaçãoa tempo. Você vai deixar aquela criança hatoliana morrer?Sua última cartada, e funcionou. Salariel abaixou a arma.— Então? Temos um trato?A hatoliana confirmou com um aceno de cabeça. Lúcifer K arrastou o corpo do barão. Aferida no abdômen da comandante parecia grave, o uniforme dela estava empapado com sanguecor de chocolate.— Isso vai doer — avisou, antes de erguê-la nos braços. Ele a carregou até o contêiner,chutou a porta e a colocou no chão almofadado.Desta vez, o solariano trancou a porta ao sair, correu até o terminal e ativou os trilhos magnéticosque se estenderam através do portão para o exterior da nave. Enquanto corria para o portão,seguindo o contêiner, afixou a máscara que trazia pressa à cintura e saltou no vácuo. Por controleremoto, religou o radiofarol da Vésper. Agora era esperar pelo resgate e rezar para que a hatoliananão morresse.Enquanto isso, no depósito, o sistema de esterilização atingiu o auge, exterminando qualquerforma de vida.Após duas semanas, a Tenente-Coronel Salariel retonou à ponte. Ainda sentia dores no abdômene caminhava com dificuldade sob o olhar apreensivo da tripulação. Na posição de comando, havia umacadeira de espaldar alto. Ela se sentou, rilhando os dentes, e apoiou as mãos nos braços da cadeira.No holograma geoide era possível ver o ponto azul do Cruzador Imperial e o ponto amarelo do14AGUINALDO PERES
cargueiro Vésper. O cruzador aguardava o novo comandante vindo da capital do império, enquanto atripulação e os passageiros eram interrogados. Oito hatolianos já se encontravam presos por envolvimentocom tráfico de crianças e prostituição infantil. Uma grande mancha na honra do império.Não entendia o porquê do Barão Malaty, quer dizer, o cidadão Malaty — a família perdera osdireitos de nobreza — fizera a insanidade de vender a própria sobrinha. Uma criança, o bem maisprecioso dos hatolianos. A baixa fecundidade das hatolianas sempre fora uma ameaça à sobrevivênciada espécie. Nem entendia o que levara um comandante do império a compactuar com umcrime capital. Que promessas, quais ameaças, o teriam induzido? Ou haveria algo de sórdido emsua personalidade desde sempre?Essas mesmas dúvidas não a atacavam no caso dos ibadânios, eles agiram exatamente comoesperado. Quando a ordem de prisão do Diácono Bafur foi emitida, o Patriarca Crocir se apresentouimediatamente, negou qualquer conhecimento das ações pecaminosas do subalterno, revogou todos osdireitos diplomáticos e religiosos do acusado e ofereceu total apoio às investigações. Ele até mesmosegredou que o clone de Bafur estava pronto, somente aguardava a data da execução do acusado.Mas Salariel sabia que esse dia ainda iria demorar. Bafur seria enviado para a capital, ondeseria interrogado, seus contatos em Ibadan e os possíveis compradores de uma criança hatolianaseriam identificados. E após o processo terminar, o clero de Ibadan precisaria reviver muitos outrosclones. Um pequeno sorriso maldoso aflorou nos lábios dela.Mensagens pipocavam no seu campo de visão. O embaixador solariano solicitava uma audiênciacom o prisioneiro. Ela negou com um toque.Demonstrar leniência somente o prejudicaria. Lúcifer K já era um solariano de sorte apenaspor não ter sido jogado ao espaço sem máscara pela equipe de resgate que encontrara Salariel e ascrianças. Somente a intervenção enérgica do Tenente Talamy permitira que ele escapasse apenascom um leve espancamento. Salariel suspirou, cumpriria sua parte no trato. Iria poupa-lo no relatório,reduziria seu papel ao de contrabandista comum e destacaria sua participação no resgate.Alguns ciclos na prisão e a extradição do território do império eram o melhor que o solarianopoderia aguardar.O Conselho do Imperador comunicava sua promoção a Coronel por “sua visão, coragem ecapacidade de agir além das ordens diretas para garantir a segurança dos súditos do Império Kiraly-Hatolon”. Contudo a notificação não trazia orgulho a Salariel; do seu ponto de vista ela cometeraerros ao não prever a resistência desesperada e suicida do Coronel Pation. Causara a morte de trêsbons guardas e colocara em perigo a vida das crianças. Felizmente as crianças estavam bem eficariam a cargo da estação até serem devolvidas aos seus respectivos governos e, quem sabe, àssuas famílias de origem.A próxima mensagem a deixou bem mais feliz. O conselho imperial aceitara seu pedido paracustódia definitiva da sobrinha do ex-barão. Salariel nunca esqueceria a coragem da jovem quepermanecera segurando sua mão, dizendo palavras de incentivo no contêiner escuro. Ela seria umexcelente acréscimo ao clã Hatary, faria companhia ao seu filho e seus pais ficariam felizes eorgulhosos de ter uma segunda criança para cuidar.Sorrindo, Salariel procurou nos arquivos o formulário de licença, entrou com seus dadosbiométricos e despachou a solicitação. Quem sabe poderia retornar para casa na próxima nave deturistas, quando então teria a chance a observar a anomalia com os próprios olhos. Grande, belo eenigmático, motivo de admiração e veneração. Mas no final, o futuro é determinado pelas açõesdos indivíduos. Ele verdadeiramente merecia o nome de DEUS.SHAH-DAY15
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