Mas não atirou.— Atire nela! — ordenei novamente.Ele permaneceu parado. Os olhos voltados para a ginoide, mas os pensamentos distantes.— Algum problema, rapaz? — perguntei, encarando-o. Ao mesmo tempo chamei sutilmentedois soldados. Afinal, ele tinha minha arma e isso era muito perigoso.— Paula... — estranhamente murmurou.— Paula? Quem é Paula? A ginoide que inutilmente tenta esconder? — provoquei-o.Olhou para mim. Não parecia surpreso. Seu olhar era frio.— Algemem-no e o coloquem junto aos outros — ordenei aos meus irmãos. — Teremos maisum para a execução hoje.Ele não ofereceu resistência alguma e foi colocado ao lado da ginoide probio.— Ajoelhe-se! — gritei. Ele o fez, lentamente, a contragosto, com os olhos sempre nos meus,enfrentando-me.Meus irmãos promecas estavam confusos. E eu tinha que admitir que sentia o mesmo, pormotivos mais profundos.— O que é você afinal? Um probio que mata humanos? Um promeca que não gosta deobedecer ordens?Ele não respondeu.— Senhor — disse um dos meus —, encontraram a ginoide.A ginoide foi trazida até mim. Tentava se desvencilhar dos dois irmãos que a seguravam,mas, evidentemente, não tinha força para isso. Notei que usava a capa de couro do outro promecaque deixei em Ágape. Aquilo era bizarro! Ele devia estar destruído àquela hora.Eu a medi de cima a baixo enquanto ela evitava me olhar. Baixei-lhe o capuz, acariciando seudelicado rosto. A visão de uma Ginoide da Torre era sempre agradável.— A sintapele é tão macia...Arranquei-lhe bruscamente a capa, expondo toda a sua nudez. Não pareceu envergonhada,como se aquilo fosse natural para ela. Mas meus irmãos suspiraram encantados com sua formosura.Até os condenados não conseguiram evitar olhá-la. Divertidamente, as promecas femininas semostraram ciumentas.Não desejavam um espetáculo? Proporcionei-lhe um grande desta vez! Mas quem estava nu,afinal? Ela ou nós? Pelo menos em seu caso, a sintederme lhe cobria o corpo de metal.— Por que veio para cá, minha tolinha? Não percebeu o perigo que corria ao entrar na tocado lobo? — perguntei a ela.— Eu a trouxe — respondeu intrometidamente o promeca algemado.— E por que o fez?— Achei que gostaria de conhecê-la. Ela é muito especial.— Todas as ginoides babás são especiais — respondi. Desconfiei estar entrando em um jogodo qual não conhecia as regras.28CARLOS RELVA
— Ela é mais preciosa do que você pode imaginar — respondeu enigmático. — Ela possuium segredo.— Segredo? — perguntei por impulso. Realmente entrara involuntariamente em um jogoperigoso, mas decidi continuar para saber até onde iria.— Ela carrega um bebê humano.— Não...! — gritou a ginoide desesperada. O seu desapontamento era tal que ficou claro quenão era parceira de partida do condenado.— É verdade o que ele está falando? — dirigi-me a ela. — Vocês babás são realmente cheiasde surpresas... Mostre-me o bebê.— Nunca! — respondeu taxativa.— Faça-a mostrar — ordenei ao promeca condenado.— Só por cima do meu corpo desativado — disse friamente.Aquilo me deixou confuso. Ele tinha avançado no jogo e agora retrocedia...? Olhei para meuconselheiro buscando ajuda, mas ele estava tão confuso quanto eu.— Se é a única maneira — disse, lamentando-me verdadeiramente. Apontei minha arma paraa cabeça dele. — Depois será a vez dela...— Está tudo tão errado aqui... — disse a ginoide, surpreendendo-me. — Vocês estão tãolonge da Verdade... Desvirtuaram-se tanto... Por misericórdia, vou libertá-los de sua dor!Depois de emitir um silvo alto e assustador, ela mudou... Transformou-se em outra coisa.Seus braços e suas pernas duplicaram de tamanho... Não, triplicaram! Dos pulsos, logo abaixo daspalmas, e dos calcanhares brotaram estruturas metálicas semelhantes a lâminas afiadas, que partiramao meio os dois pobres promecas que a estavam segurando. Das laterais de seu tronco, abaixodas axilas e antes da cintura, nasceram tentáculos mais finos que seus novos braços, mas nãomenos ameaçadores. A sintederme ainda tentava vesti-la, esticando-se o máximo possível, mas jáhavia mais metal e plástico visível do que corpo coberto pela pele sintética. Movendo-se freneticamentee com a face desfigurada, a ginoide parecia uma gigantesca aranha metálica em um dança damorte que hipnotizava meus irmãos, derrubando-os um a um.— Atirem nessa coisa! — ordenei aos gritos, tentando tirá-los do torpor.Mas parecia inútil tentar acertá-la, pois desvencilhava facilmente da maioria dos projéteis. Ospoucos que a acertavam pareciam não surtir efeito algum. Havia realmente uma criança dentro daquilo?Zombando de nossos esforços em detê-la, correu em minha direção. Tentei fugir, mas fuirapidamente atingido por uma de suas lâminas na panturrilha. Cai indefeso.— Deixe este para mim! — gritou o renegado para o monstro de metal, que agora cravavamais dois tentáculos em minhas costas. Os condenados não fugiram, continuando próximos demim. Pareciam também hipnotizados pela ação da ginoide transformada.Vendo que eu estava desabilitado, aproximou-se do renegado. Encarou-o e grunhiu,ameaçando-o. Imaginei que faria com ele o que tinha feito com os meus irmãos. Justificativasnão faltavam, pois havia lhe entregue ao inimigo. Mas mudou de ideia e o soltou, assim comoos outros presos, contando-lhes as algemas com a mesma facilidade com que cortava androidese armamentos.ÁGAPE, EROS, PHILIA E STORGÉ29
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Entrevista comMARCELOJACINTORIBEIRO
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