agora em direção a um conjunto rochoso cor de ferrugem que se mostrava perigosamente próximo.Talvez a nave tivesse sofrido avarias com as pancadas ou simplesmente não pudesse ser facilmentepilotada por um piloto humano sozinho.Com a montanha se aproximando cada vez mais velozmente e a nave perdendo altura, Linaretomou a frenética experimentação nos controles, resguardando somente aquela alavanca quetinha feito a nave subir e aquela que ligara o motor. Finalmente pareceu haver uma diminuição naaceleração da nave, porém naquele momento Lina não tinha mais a menor ideia do que tinhaapertado. A nave mudou de rumo e começou a descer em direção a um grande lençol de areia nomeio do deserto. Com a nave rente ao solo e em alta velocidade, ela se preparou para o choque.A nave aterrissou arrancando a areia de diversas dunas até prender-se entre duas delas. Apósalguns minutos desorientada, Lina soltou-se do cinto de segurança e procurou avaliar os danos. Aalavanca que ligava o motor não voltou a fazê-lo ligar, sinal de que a nave não sairia daquele lugarpor si mesma. Vasculhou a cabine de comando sem encontrar nada de muito útil e foi até a salaonde estivera presa. De um dos armários retirou provisões de água e soro, uma pistola e roupas, ummacacão, roupa de tecido mais suave como se fosse uma espécie de roupa de baixo, meias e luvasque não lhe serviram muito bem. Também tinham um cheiro muito desagradável, provavelmente ocheiro dos itianos, azedo e metálico.Encontrou ainda um compartimento com seu equipamento original, até mesmo aquele quetinha escondido no afloramento. Mas nada de suas roupas, o que mostrava a intenção dos itianosem jamais deixá-la sair da nave viva. Viu-se falando alto que talvez fossem arrancar sua pele paraque ficasse mais dentro do padrão de beleza itiano. Não era bom sinal que conseguisse fazer piadasem voz alta sozinha naquela situação. Era demonstração de que se encontrava no limite da histeriae tratou de se controlar, apelando para todo o seu treinamento.Tinha que deixar a nave itiana imediatamente porque deveria estar sob alguma forma devigilância da nave-mãe. Logo acudiriam a investigar o que houvera com seu escaler para que fossepilotado de forma tão absurda. Ela não gostaria de estar ali para prestar conta de suas ações e daação dos pássaros! Muito menos teria como explicar a morte e o sumiço dos soldados ou suaatrapalhada pilotagem, isso se algum itiano se preocupasse em perguntar antes de atirar.Com todas as provisões que conseguiu juntar, colocou-se no caminho indicado pelo equipamentorecobrado, na direção da base automatizada. Era a única coisa que conseguia imaginarnaquele momento, como se a base fosse um paraíso perdido, para uma alma condenada a vagar noinferno. Lá teria finalmente como estar em relativa segurança desde que não fosse descoberta pelositianos na nave-mãe. Poderia também enviar uma mensagem de alerta para a Terra, sobre a descobertadesta raça belicosa. O mais seguro seria liquidar o itiano que a capturara. Esperava que ospássaros tivessem feito esse trabalho por ela. De qualquer sorte, manteve uma pistola bem à mão epronta para disparar a qualquer sinal de itianos ou de pássaros carregando pedras.A região onde estava era diferente daquela onde aterrissara, de cores mais fortes e puxadaspara o ocre e tons de marrom escuro que contrastavam com areias amarelo-claras. Exceto pelasdunas em que colidira somente havia chão duro e rochas de formato arredondado, como cascalhosnegros gastos por água ou vento.Caminhava pelo que parecia ser o leito rochoso de um rio sobre o cascalho solto. Apesar dedesconfortável para andar, ainda era menos cansativo que a areia solta das dunas. Lina mantinha amaior parte do corpo coberta com a roupa dos itianos, inclusive o rosto, de forma a perder a menorquantidade de líquido possível para o ambiente seco e para a radiação de Carina-1469.70LEONARDO CARRION
Ela se lembrou de Sanchez e de como, com ele, aquele deserto tinha sido um lugar encantador.Não conseguia conciliar agora, perseguida pelos itianos, machucada e sozinha, a beleza quedescobrira com o amante. “Miralejos, Miralejos”, ele tinha dito. “Ouça Miralejos.”Não havia nada para ouvir. Só o silêncio e o vento, o barulho de seus passos ruidosos sobre aspedras negras soltas sobre o chão duro e marrom. Não havia animais à vista mesmo que o planetafosse pleno deles em outras regiões e até mesmo no deserto. Bem, não contava encontrar os pássarosbombardeiros evidentemente.Seguiu caminhando, afastando-se da nave itiana, mesmo sabendo que não deveria fazê-lodurante aquelas horas mais quentes do dia. Caminharia o que fosse necessário até encontrar outraformação rochosa onde poderia ficar à sombra e descansar até o início da noite.Alguns quilômetros adiante visualizou uma espécie de subida no terreno, uma rampa queascendia até uns cem metros de altura de forma pouco inclinada, continuando acima em um platôachatado. Utilizando o equipamento roubado dos itianos, cavou um buraco na sombra ao pé dasrochas que ficavam no início da subida, onde o solo era quase gelado em comparação com o calorda areia no sol. Deitou-se, cobrindo-se com a areia fria e adormeceu quase instantaneamente, comose estivesse na mais confortável cama que experimentara na vida, após tantas aventuras.No sonho, Lina se encontrava nadando em uma bolha como se fosse um peixe de aquário.Não utilizava qualquer equipamento e a água, levemente salgada e doce ao mesmo tempo, entravapela boca e pelo nariz sem afogá-la. A luz era espantosamente avermelhada, como a filtrada atravésdas pálpebras fechadas defronte à uma luz forte. Alguém nadava junto a ela mas não conseguia verquem. Era uma presença reconfortante e pensou em Sanchez. Apesar da familiaridade, sabia quenão era o amante morto, mas outra pessoa.Havia proteção e desejo de proteção, fome e saciedade. Havia amor e cumplicidade no contatocom esta outra pessoa que nadava com ela.Sem que houvesse qualquer palavra, pois o outro não conhecia palavras, deixou que Linasoubesse que se chamava Miralejos. Mas não o deserto, a pessoa.Seu filho, filho de Sanchez, gerado no planeta sem que ela soubesse ou planejasse.Sou a mãe do primeiro ser humano gerado neste planeta. Não quero morrer, não possomorrer, pensou Lina.Lembrava-se de Sanchez, no sonho que tivera ao cair no planeta, dizer-lhe que ouvisseMiralejos... Agora entendia, queria que ouvisse o filho deles, não o deserto.Miralejos de repente transmitiu-lhe uma sensação premente, de urgência. Imediatamente sentiuuma forte dor abdominal que a fez recobrar os sentidos. Abriu os olhos bem a tempo de ver umapistola de energia apontada em sua direção, na mão de um soldado itiano que parecia ter saído deum pesadelo com o inferno.Só teve tempo de rolar e fugir do tiro porque fora avisada por Miralejos e porque o itiano seencontrava mais morto do que vivo, cheio de machucados perceptíveis mesmo na sua fisiologia decorpo dissecado. Arrastava no chão dois cotos de pernas, impulsionando-se para frente com osEL DESERTO E MIRALEJOS71
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Entrevista comMARCELOJACINTORIBEIRO
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