am. Mas aquelas que se arriscaram tiveram a agradável surpresa de ver seus filhos desenvolverembem rápido alguns tipos de inteligência, principalmente a lógica e a matemática, e logo se tornaremcrianças decididas e muito racionais. Não que se distinguissem tanto assim das que não usavam oimplante, mas sempre se saíam muito bem, e isso aumentou a partir do momento em que as escolascomeçaram a adotar o método de aprendizado desenvolvido pela Sinapse.Ao longo da minha infância, fui obrigada a mudar três vezes de escola, pois a política de “inclusão”aplicada a crianças que não enxergavam ou portadoras de certas síndromes não servia para aquelascuja família se recusava a usar a nova tecnologia de ensino. Você criou um grupo de pais e professoresque partilhavam dessa convicção e negociou com as escolas, depois acabou participando da fundaçãode um Centro de Aprendizado Alternativo, onde concluí meus estudos pré-universitários. Os últimosanos foram cheios de preocupação e revolta, pois eu tinha grandes planos, mas temia vê-los frustradospor causa da escolha que você fizera por mim. A julgar pela propaganda com a qual nos bombardeavamde todos os lados, não ter acesso ao Método Sinapse nos deixaria de fora das melhores escolas, dasmelhores universidades e, consequentemente, dos melhores cargos e empregos.Por várias vezes tentei fazer com que você compreendesse isso, mas a mãe sempre flexível edisposta ao diálogo jamais cedeu um milímetro que fosse nessa questão. Você dizia que semprehaveria lugar para pessoas como nós, que aprendiam através de livros, professores e da própriavivência, e eu sabia que você falava com sinceridade, pois nunca duvidei de que quisesse o melhorpara mim. Mas como ter certeza de que você sabia o que era melhor para sua filha quando ano apósano cada vez mais famílias e escolas aderiam ao Sinapse? Como eu iria competir com aquelesjovens de cérebros eletricamente estimulados, que resolviam equações complicadas no mesmotempo que eu levava para fazer uma conta de somar?Meus argumentos eram rebatidos com uma resposta invariável: eu devia observar melhor ascrianças que usavam os dispositivos. Elas eram arredias, ensimesmadas, com pouco tato e habilidadessociais. Isso, porém, jamais me incomodou, porque eu também não era uma pessoa gregária.Não chegava a ser fechada como meu pai — quase um eremita em seu laboratório de bioquímica,a ponto de abrir mão das visitas semanais e mal me ver uma vez por ano —, mas nunca fui tãosociável quanto você, cheia de amigos nos quatro cantos do mundo e sempre disposta a trabalharpara fazer, como você dizia, “ao menos uma pequena diferença”. Isso eu também queria fazer, masatravés de uma carreira bem-sucedida, o que parecia cada vez mais difícil de alcançar sem o Método.Era por isso que brigávamos: porque você me negava o que era apregoado como o maiorpresente que um pai poderia dar a um filho. E durante muito tempo não fui capaz de perdoá-la.Quando fiz dezesseis anos, a Sinapse reinava sobre nós com as asas abertas. O implantebásico, agora quase compulsório, ainda era oferecido de graça, porém modelos mais sofisticadosestavam disponíveis para quem pudesse pagar. As escolas adquiriam versões diferenciadas de acordocom o valor cobrado pelas mensalidades. Ainda me lembro da grande sensação causada pela primeiraversão a incluir um minidrive, o qual, acoplado ao sensor, transmitia não apenas pulsoselétricos mas imagens, frases e todo tipo de conteúdo que se fixava na área da memória. Issotambém era indolor, mas — você repetia — cada vez mais perigoso para os jovens que viviam aexperiência e para toda a sociedade. Estamos robotizando nossos filhos, você dizia nas redes sociaisque ainda eram permitidas. Estamos entregando nosso futuro a esses robôs e à corporação semrosto que os programa de acordo com seus interesses.De tempos em tempos havia recadastramentos que permitiam às crianças mais velhas adquiririmplantes. No entanto, você nunca autorizou minha inscrição. O fim do crescimento determinou que euseria para sempre uma “excluída tecnológica” — foi o que gritei, aos prantos, quando expulsei você do90ANA LÚCIA MEREGE
meu quarto —, mas mesmo assim entrei para a universidade, onde sobravam vagas em muitos cursos daárea de ciências humanas. Lá, como uma espécie de revanche, inscrevi-me num programa de aprendizadohipnopédico e aprendi oito idiomas, quase todos orientais, como khmer, tailandês e vietnamita.Esperava, a qualquer momento, ouvi-la perguntar que utilidade eu teria para aquilo, mas o tiro saiu pelaculatra: além de aprovar minha escolha, você conseguiu que alguém me recomendasse para um emprego,no qual eu traduzia manuais técnicos e rótulos de produtos provenientes do mercado asiático.Enquanto eu me entendia com os caracteres estrangeiros, você e alguns amigos fundaram umgrupo dedicado a investigar os atos da Sinapse e logo se tornaram conhecidos em todo o país. Nãoconseguiram provas de que os implantes causassem verdadeiro mal; não houve famílias mortaspelas crianças submetidas ao Método, nenhuma cabeça explodiu, mas vocês reuniram estatísticassobre comportamentos egoístas, sobre o abandono das artes e ciências humanas e — quando aprimeira geração dos possuidores de implantes chegou à direção das empresas — sobre o alarmanteretrocesso nas políticas sociais e trabalhistas.Nessa época, já não nos encontrávamos com frequência, pois meu salário permitira que memudasse para um pequeno apartamento num bairro mais central. Morando perto do trabalho, muitasvezes fazia horas extras e, ao chegar em casa exausta, com oito diferentes idiomas brigando nacabeça, quase nunca achava algo para dizer que justificasse retornar as mensagens que você deixava.Por fim, você também se decidiu a fechar nossa antiga casa, com a coleção de livros impressosde que tanto gostava, e se mudar para um sítio localizado na periferia da cidade.Então, de repente, eu via você quase todos os dias. Primeiro apenas como um dos rostos indignadose alarmados do grupo que denominavam de Alerta Sinapse; depois como a porta-voz que osmeios de comunicação faziam de tudo para ridicularizar; por fim, já nas horas seguintes ao Golpe,como inimiga do Estado, citada em uma centena de processos e logo detida para averiguações.Não acredito que as próximas gerações reconheçam o Golpe como tal. Na verdade, ele nãopassou da tomada do poder pela Sinapse e suas empresas associadas, através de um presidente eum partido completamente subordinados a elas. Logo depois disso as redes sociais foram tiradasdo ar, e todas as comunicações passaram a ser feitas por um sistema controlado pelo Governo. Amaior parte dos direitos trabalhistas caiu por terra; as empresas redistribuíram funções de acordocom o nível de instrução recebido pelos empregados através do Método, favorecendo os filhos daelite econômica.Claro que as coisas não eram colocadas de forma tão crua. Quem, como eu, não tinha implanteou possuía o tipo mais básico não foi sumariamente despedido, mas sim convocado a “provarseu valor” para a empresa, o que se traduzia em trabalhar cada vez mais e às vezes ser deslocadopara funções subalternas. A ascensão não era impossível para essas pessoas, mas, quando acontecia,geralmente se dava às custas de um enorme sacrifício. Não foram poucos os trabalhadores nafaixa dos cinquenta anos que se aposentaram mais cedo e com salário reduzido por não poder fazerfrente às exigências.Cinco anos após o Golpe, o implante passou a ser obrigatório para os recém-nascidos, quedeviam frequentar as creches públicas ou credenciadas desde os três meses de idade. Essas creches,assim como as escolas para crianças mais velhas, recebiam do Governo os nanodrives queeram plugados num receptor implantado na cabeça dos alunos. Isso levava diretamente ao cérebroa informação que achassem por bem fornecer aos filhos de cada classe social.Quando não estavam absorvendo aquilo, eles ainda brincavam, mas sempre orientados pormonitores. Nenhum jogo ou brincadeira era espontâneo. As artes também eram praticadas, principalmentea música, mas nada do que se fazia nesses campos tinha repercussão se não seguisseO SOL DA RESISTÊNCIA91
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