seu estado pela médica que cuidava dele. Ele ficava andando no quarto, rodando em círculos, balbuciando.Seu pai fora técnico nos hangares, consertando turbinas, e girava o dedo continuamente, o mesmosinal que fazia quando pedia que alguém ligasse o motor para testar as hélices. Gira-gira, era o queele repetia.De cabeça baixa, Indara seguiu seu caminho. Atravessou as áreas nobres de Tau 3, vendo osjovens abastados, filhos de funcionários da 4Diamonds, companhia de mineração que custeou as colônias,ou de comerciantes bem-sucedidos, saindo da Alameda, uma área com lojas, lanchonetes e casasde tatuagem. Todos corados, felizes, bem alimentados, comentando sobre o próximo ano, quandoestariam todos estudando em Centauro. Bom para eles, pensou Indara. A colônia ficaria, ao menos,melhor para viver.Aqui e ali ouvia alguma agitação. Algo sobre ameaças de intervenção, ataques, terrorismo emoutros setores. Indara não ligava. Política era algo que não entrava em sua cabeça. Parecia uma maneiramenos suja de fazer guerra e de se gabar por manter a sociedade funcionando, mas a exploração domais fraco permanecia intacta nos últimos oito mil anos. Blá-blá-blá, malditos.Nas oficinas, Indara trocou de roupa. Vestiu seu macacão, catou sua cesta de trabalho e seguiupara a garagem. Sua função era simples, mas cansativa: limpar o interior dos veículos, encerar bancos,aspirar carpetes, desengordurar vidros. Pequenos reparos podiam ser feitos como apertar parafusosfrouxos. Mais um dia glorioso para a colônia, dizia um pôster na parede da oficina.2— Bom dia, Tau 3! Mais um dia glorioso em Tau Ceti! Que belo dia para a colônia! Aqui é a sua rádiocolonial, transmitindo em todas as frequências para o estaleiro orbital e para os assentamentos! E que sujeiralevantou aquele tornado ontem, hein? Tenho areia nas orelhas até agora e nem pude tomar banho por causado racionamento na colônia 2 — dispara o radialista, a dar risada. — Vamos aos avisos de hoje, pois oConsórcio amanheceu pegando fogo. Literalmente! Um atentado atingiu o Departamento de AdministraçãoColonial em Marte, setor do Sistema Solar, horário padrão da Terra às oito horas. Quarenta e cinco pessoasmorreram e cento e dez ficaram feridas. Ninguém ainda assumiu, mas bem sabemos quem pode ter sido,certo? O alerta de tornado continua, galera, então cuidado ao seguir para as minas que estão com as operaçõesna normalidade caso o alerta vá de F3 para F4. O racionamento de água...Rádio desligado. Tinha horas que a voz daquele cara enchia o saco. Indara acordou de um pesadelonaquela manhã. Sonhou que seu irmão a chamava no escuro e não conseguia encontrá-lo. Eracomum ter sonhos desse tipo, perdida, sem enxergar, com pessoas dependendo dela. Quem poderiadepender dela, agora que não tinha mais ninguém?Dois toques tímidos na porta a assustaram. Era a conselheira da juventude, querendo falar comela. Saco, esqueceu que era dia cinco. Abriu a porta, tentando parecer simpática, mas nenhum sorrisose formara em seu rosto. Aliás, era algo frequente. Sempre fora uma criança calada, relegada aoscantos da escola por ter poucos amigos. A conselheira a olhou com cuidado. Parecia mais magra doque antes. O cabelo bem curto, preto, acentuava seu abatimento. Jovens órfãos e desassistidos erammuito comuns em colônias pobres. Muitos fugiam em naves para outros sistemas ou morriam tentandofazer isso. Não que a situação no destino fosse muito boa, mas ao menos alimentava muitas esperanças.Não entendia por que Indara nunca tentou sair.Dia cinco era o dia da visita e da revista da casa. Tudo era anotado para os relatórios mensais.Dependendo da situação, o jovem era realocado para uma instituição. O que Indara não queria. Os98LADY SYBYLLA
centros de menores e sem tutela eram poços onde gerações eram jogadas, e pouco restava para elesalém das forças armadas. Uma maneira eficiente de ter soldados sem se preocuparem com pensõespara familiares. Muito lucrativo.Visita feita, poucas palavras trocadas. A casa estava em ordem apesar dos poucos móveis epertences. Pouca comida no armário. A conselheira prometeu enviar uma cesta com provisões aindanaquele dia. Indara deu de ombros e fechou a porta assim que ela saiu. Precisava trabalhar.Pelo caminho, agitação nos bares e nas telas de informação. As implicações sobre o atentado emMarte se desenrolavam sobre as colônias. Naves de resgate sobrevoavam os escritórios coloniais apagandoos incêndios estruturais e retirando corpos. Os sistemas de reciclagem do ar dos domos urbanosestavam saturados com a fumaça que ainda teimava em se erguer. Já passava de sessenta o número demortos. Soberania Madjen confirmara a autoria. “A liberdade não se cala” podia ser lido em um muropróximo ao prédio atingido. Frase forte, Indara pensou. Algo livre não deveria mesmo ficar calado. Seficar, não é livre.Um dia inteiro de carpetes aspirados, estofados encerados, vidros desengordurados, parafusosde assentos apertados e Indara estava cansada. Seu corpo franzino para a idade, fruto da subnutrição dainfância, cansava-se com rapidez. Chegava em casa sempre com fome e, como dificilmente tinha o quecomer, dormia de barriga vazia. Mas não naquela noite. Na porta de seu alojamento, um agente doConselho da Juventude aguardava e aos seus pés uma caixa azul lacrada. Ela apertou o dedo na tela doprotocolo, o agente agradeceu e foi embora.Frutas secas, água, ração padrão, leite de soja, carne processada, até mesmo um quarto de queijoamarelo e um pedaço grande de pão. Grãos para cozinhar. Com a caixa aberta no meio da sala improvisada,ela comia os damascos secos com gula, chorando a cada dentada. Que vida de merda, elapensava. Merda! Era para isso que o ser humano vivia? Para padecer dia a dia como um merda?Pensou em seu irmão brincando no colo do pai quando ainda era um bebê bochechudo e sadio naquelamesma sala. Antes da mãe morrer, a vida parecia fazer sentido. E agora?Com o estômago cheio, cansada de tanto chorar, Indara caiu no sono no chão ao lado de pacotesabertos e do cheiro bom de comida.3O rádio ligou sozinho às sete horas e a despertou subitamente. Sentiu-se deslocada por um instante,a cabeça um pouco confusa por perceber que acordou fora do lugar de costume.— Bom dia, Tau 3! Mais um dia glorioso em Tau Ceti! Que belo dia para a colônia! Aqui é a suarádio colonial, transmitindo em todas as frequências para o estaleiro orbital e para os assentamentos!Indara estava pronta para desligar a voz irritante para poder comer no silêncio do alojamento.— E a situação em Marte tá piorando, pessoal. Tá feia a coisa.Seu dedo parou no meio do caminho.— Ao que parece, o secretário do Departamento morreu na explosão. Bem como sua família, quese encontrava no prédio. Vários políticos influentes estavam lá naquela manhã marciana e isso temcausado um tremendo mal-estar na política de Ganimedes, que todo mundo sabe, é o satélite do poderno sistema solar, é onde fica a sede do Consórcio Terra. A presidente Gaposhkin fez um discursoinflamado hoje, alertando que não vai tolerar atos de terrorismo contra nenhuma colônia e que retaliarácom a força necessária para prender os responsáveis por tamanha barbárie. O número de mortos subiuMAIS UM DIA GLORIOSO EM TAU CETI!99
- Page 1 and 2:
Dez. 2 0 1 35EdiçãoEspecialTRIPUL
- Page 3 and 4:
Editorial 5Revista de Ficção Cien
- Page 5 and 6:
EDITORIALHá quase seis anos, mais
- Page 7 and 8:
Para Lúcifer K, ou qualquer outro
- Page 9 and 10:
Lúcifer K se ajeitou o melhor que
- Page 11 and 12:
O cruzador negro de formas afiladas
- Page 13 and 14:
am diretamente para o portão de ca
- Page 15 and 16:
cargueiro Vésper. O cruzador aguar
- Page 17 and 18:
1. ÁgapeEu era uma ginoide da Torr
- Page 19 and 20:
— E você nunca mais sairá deste
- Page 21 and 22:
O bebê tinha sido gerado nas incub
- Page 23 and 24:
Não tenho certeza absoluta de que
- Page 25 and 26:
jovem. Até pensei em fazer dela o
- Page 27 and 28:
dito, hesitava em eliminar probios.
- Page 29 and 30:
— Ela é mais preciosa do que voc
- Page 31 and 32:
fenda entrando-lhe no crânio de me
- Page 33 and 34:
mente à vontade com sua nudez e pe
- Page 35 and 36:
Hospital Geral, Nova York23 de julh
- Page 37 and 38:
— Que diabos vocês querem fazer
- Page 39 and 40:
Base Militar do Exército Vermelho,
- Page 41 and 42:
— Não sei do que você está fal
- Page 43 and 44:
Os dois andavam pelo longo corredor
- Page 45 and 46:
das mãos a faca arremessada por Fr
- Page 47 and 48: Fiquem de olhos abertose ouvidos at
- Page 49 and 50: Ela abriu lentamente os olhos quand
- Page 51 and 52: Forçando-se a se acalmar, voltou-s
- Page 53 and 54: Operação? Que operação?— A ga
- Page 55 and 56: Subitamente, uma forte dor de cabe
- Page 57 and 58: Ela voltou ao mundo da escuridão o
- Page 59 and 60: Num quarto de um pequeno hotel, uma
- Page 61 and 62: Para Lina Ben Thurayya, que era jov
- Page 63 and 64: menos evitaram que a nave se desfiz
- Page 65 and 66: Do lugar onde se encontrava, entre
- Page 67 and 68: Fazendo o mínimo barulho possível
- Page 69 and 70: Devo estar sendo levada para a nave
- Page 71 and 72: Ela se lembrou de Sanchez e de como
- Page 73 and 74: ancas no solo pareciam gotas de tin
- Page 75 and 76: linha reta. Os itianos deviam pensa
- Page 77 and 78: Começou o plantão e logo Tânia f
- Page 79 and 80: — Hein? — disse Gaspar, retirad
- Page 81 and 82: nas pelo toque. Ele poderia ter um
- Page 83 and 84: — Vou te levar de volta — ele f
- Page 85 and 86: Faltavam dois quarteirões, mas ela
- Page 87 and 88: www.fb.com/groups/219022784892106ww
- Page 89 and 90: “I’d rather be myself,” he sa
- Page 91 and 92: meu quarto —, mas mesmo assim ent
- Page 93 and 94: o implante — que adoraria ter um,
- Page 95 and 96: instruções completas sobre onde i
- Page 97: 1— Bom dia, Tau 3! Mais um dia gl
- Page 101 and 102: Seja lá quem fizera aquilo, fizera
- Page 103 and 104: Não somos terroristas, porra!, ela
- Page 105 and 106: — A pressão está aumentando. N
- Page 107 and 108: mes foi ao armário improvisado no
- Page 109 and 110: — Não... — Disfarçou e foi pa
- Page 111 and 112: — Sei... Segundo seus estudos ela
- Page 113 and 114: Com o coração apertado, ela já v
- Page 115 and 116: “Gentileza gera gente folgada”V
- Page 117 and 118: cer o inimigo? Ninguém me tira da
- Page 119 and 120: tre-lhe apenas aparências e simula
- Page 121 and 122: anteriores à chegada dos invasores
- Page 123 and 124: — Ora, não me digam que vocês n
- Page 125 and 126: O convite para um encontro diplomá
- Page 127 and 128: ENTÃO o editor te manda um e-mail
- Page 129 and 130: Entrevista comMARCELOJACINTORIBEIRO
- Page 131 and 132: Ex libris, de Anne Fadiman: uma col