— Quem vem lá? — perguntou, e sua voz soou estridente.Melke parou de virar o rosto e passou a fitar um ponto específico. Sua expressão encheu-sede rancor. Tânia seguiu seu olhar e viu um vulto tênue começar a tomar forma na escuridão. Inicialmenteele apareceu transparente e embaçado, depois sua figura ficou cada vez mais nítida, atéque surgiu por completo. Era um homem alto, de pele morena, totalmente calvo, cabeça amendoadae nariz fino e pontiagudo. Sua magreza lembrava a de Melke, porém seu rosto não era tão sulcadonem os olhos tão cruéis. Vestia uma túnica rústica que parecia uma veste de tempos antigos. Nopescoço levava uma corrente grossa e fosca com uma grande esmeralda pendurada. A joia era lindae destoava de todo o restante das vestes simples. Era arredondada e brilhava com uma superfíciemultifacetada.— Hermes! — exclamou Melke, num tom de voz nitidamente irritado.— Sim, sou eu. Vim te impedir.— E desde quando você se interessa pelos meus assuntos?Os dois conversavam como se ela não estivesse ali.— Estou tratando dos meus assuntos e não dos seus — disse o estranho ao qual Melke haviachamado de Hermes. — Pouco me importam seus devaneios fanáticos. Só não vou permitir quevocê envie esta mulher até o Princípio. Se nem os iniciados devem conhecer o Arcano em suaforma pura, plena e imaculada, o que dizer de uma leiga como esta. Os resultados seriamimprevisíveis. Você poderia criar uma deusa, ou um demônio.— Blasfêmia! — gritou Melke, com os olhos muito arregalados e ensandecidos — Tal coisanão existe! O senhor decidirá o que será feito dela!— Chega de discussões inúteis — falou Hermes. — Dê-me a mulher! — Estendeu a mão emdireção a Tânia.Mas Melke não cedeu, mas sim apertou ainda mais os braços dela, fazendo-a sentir dor. Osdois homens pareciam estar travando uma luta na mente. Os olhos injetados tremiam e brilhavam.Tânia sentia uma parte do conflito em sua própria mente, uma forte dor nas têmporas, uma indecisãoferrenha de mover os músculos, que ficaram retesados como se ao mesmo tempo ela quisessemovê-los e contê-los membros. De repente, Melke a puxou para o lado oposto de onde estava seuadversário e falou:— Cheguei onde queria! Se quiser a mulher, vá buscá-la!E ele a arremessou na escuridão. Foi como se ela caísse em um mar tempestuoso. Sentiu-semergulhada em um fluído denso como a água, porém negro feito piche. Não conseguia respirar, eracomo se ela estivesse em um forte redemoinho que mudasse de direção a todo momento. Eraestranho escutar um terrível silêncio em vez de ruídos de turbulência. Seu fôlego se esgotava e elaconcluiu que era o fim. Sua mente começou a apagar e seus últimos pensamentos foram de arrependimentopelas coisas erradas que havia feito na vida. Lembrou-se de sua mãe, a única religiosaque havia na família, católica fervorosa, que sempre tentava convencê-la a ir às missas. Tânianunca acreditara nessas coisas, mas agora, afogando-se naquele limbo temporal, confessava seuspecados com o sentimento de que havia uma entidade, maior do que qualquer padre, profeta ouhomem santo que pudesse perdoá-la.Sentiu de repente um puxão no braço e ela voltou para um espaço vazio, como se alguém ativesse resgatado do oceano negro. Na sua frente estava o estranho chamado Hermes.82UBIRATAN PELETEIRO
— Vou te levar de volta — ele falou. — Para onde quer ir?Tânia demorou um pouco para entender a pergunta. Mas então começou a raciocinar.Ainda não estava a salvo. Não podia voltar para sua época. Como explicar o assassinato deGaspar? Com certeza a corporação desconfiaria dela. Havia casos registrados de policiais quereceberam altas somas como propina de clandestinos e tentaram viver uma vida farta em épocasremotas. Essa seria a primeira possibilidade que seus superiores cogitariam. Quem acreditariase ela falasse em magia? Mas Tânia, como boa policial, sabia qual era a melhor épocapara se esconder.— Quero ir para o início do século XXI.— Que seja — respondeu Hermes, segurando suas mãos.E iniciaram nova viagem.Hermes permaneceu em silêncio enquanto se deslocavam no tempo. Tânia sentia-se calma esegura, sem saber por quê, não temia que o seu novo guia lhe fizesse mal. Num dado momento, suacuriosidade despertou e ela não resistiu em perguntar:— Vocês são feiticeiros?— Esse termo não me agrada. Cada um dos perseguidores da Grande Obra escolhe seucaminho. Aquele que te raptou aprendeu através do poder da sabedoria do espírito, mas acabouseguindo caminhos escuros e tortuosos. Eu aprendi através do poder de todas as sabedoriasdo mundo.Tânia notou novamente a grande joia que ele levava no pescoço.— Esta esmeralda em seu pescoço. É linda! Ela tem algum poder?— De certa forma sim. Nela está escrito todo o meu conhecimento. E o meu conhecimento éo que eu sou. Você a quer?Tânia surpreendeu-se com a pergunta.— Você me daria? — retrucou.— Sim — respondeu Hermes, retirando a joia do pescoço. — Posso fazer outra. Já fiz várias,sempre na esperança de passá-las adiante. Sinto que você não apenas a deseja de verdade, mastambém precisa dela. Na verdade, vejo em você algo que nem você mesma pode enxergar. Seráuma boa guardiã.Tânia sentiu o peso da corrente, enquanto o estranho cingia seu pescoço. Pegou a joia e aadmirou na palma da mão. Apaixonou-se por ela à primeira vista.— Mas como pode algo estar escrito em uma joia? — perguntou.— Descobrir isso faz parte do caminho que você deverá trilhar. Não há mais tempo paraperguntas. Chegamos.O ambiente começou a tomar forma. Surgiram paredes e móveis em um quarto.— Agora devo deixá-la.TÂNIA E O TEMPO83
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