— Ah, Hermman, será um prazer. Eles não têm a menor chance, quase sinto pena. Mas comodizem nossos queridos franceses, c’est la vie! Deixe-me detalhar meu plano sujo e vil, vocês vão adorar!A ideia absurda e maluca foi aprovada por imensa maioria, não com votos ou mãos levantadas,mas por outras gargalhadas, que ressoaram no plenário mais forte do que das outras vezes. Mas dessavez não foi um alívio da tensão ou um riso nervoso, foi puro deleite. E mesmo sendo delicada comouma criança, foi a gargalhada de Jaqueline Hawker que se destacou sobre todas as outras.Primeiro foi preciso dispensar o que restava da União Brosiana e desejar boa sorte em sua fugarumo a seja lá aonde fossem. Sua presença poderia deixar os Katels desconfiados, sem mencionar queos visitantes tinham uma boa ideia de real situação na Terra. Houve um certo debate de como fazerisso: pedir educadamente, citar questões culturais ou mencionar os recursos limitados no planeta? Nofim a resposta, era simples: alguém sugeriu apresentar a conta da estadia na Terra e perguntar comoiriam pagar. Nem foi preciso enviar um embaixador, uma simples mensagem de rádio fez todo otrabalho. Dois dias após receberem a fatura, a pequena frota simplesmente ligou os motores e zarpoudo sistema, sem ao menos dizer obrigado e até breve. Certas coisas são mesmo universais.O próximo passo foi explicar o plano para uma população confusa e amedontrada pela invasãoiminente. Claro que houve um choque imenso, mas qual a alternativa que poderia funcionar?Quanto mais debatiam a ideia, mais parecia a única solução e ao menos ninguém morreria em vão,para desgosto de vários militares sedentos por batalhas.O plano tinha uma beleza particular na simplicidade e na economia, no limitadíssimo uso derecursos. Fase um: empobrecer o planeta, transformando todas as cidades em ruínassemiabandonadas. Simplesmente cortar a manutenção, mas somente a parte estética, é claro. Omundo não parou de funcionar, apenas ficou mais relaxado e sem preocupação alguma com higiene,para horror de muitos e certo deleite de igual número de pessoas.Bases militares foram desmanteladas e todo o equipamento de maior porte foi cuidadosamenteescondido e camuflado, inclusive a frota terrestre — deslocada e quase enterrada no cinturãode asteroides. A ligação entre a Terra e a Lua foi cortada e os grandes transportes de passageirosforam substituídos por dois cargueiros de minério, transformados em naves de transporte, praticamentegrandes baús com cadeiras e camas amontoadas. A rede de satélites também foi colocada emmodo de espera, ficando à deriva na órbita terrestre com apenas o essencial funcionando.A maior gritaria veio do projeto Torre de Clarke, com seus responsáveis chorando sobrecronogramas e oportunidades perdidas. Stanton foi enviado para tratar com os indignados engenheiros,que não abriam mão do seu precioso elevador orbital. Depois de muita discussão e gritaria,ele perguntou curioso se preferiam um cronograma arruinado por meses ou por décadas.— Isso se sobrar algo para ser construído e alguém para construir. Os Katel são abutres quenão se limitam a roubar recursos, a lista também inclui mão de obra especializada. Boa sorte paravocês enquanto aprendem a arrumar tecnologia alienígena. — Isso gerou um silêncio imediato euma aprovação do plano quase na mesma velocidade.A cidade de Achinsk incrustada na estepe russa foi escolhida como “capital” da Terra para arecepção dos invasores. Nesse caso os detalhes cosméticos não foram muito necessários, já quenão era grande coisa mesmo. Milhares de atores de todo o planeta se mudaram para lá nos meses120MARCELO JACINTO RIBEIRO
anteriores à chegada dos invasores, homens e mulheres pequenos e magros, nenhum deles commais de um metro e cinquenta e cinco de altura.Jaqueline Hawker fez questão ser a “embaixadora terrestre” no primeiro contato e ninguém fezobjeções quanto a isso. Duas semanas antes do previsto, o planeta recebeu o primeiro sinal de rádio,uma série de códigos numéricos, imagens e sons, a chave de comunicação explicando o vocabulárioKatel e como traduzi-lo para outra língua. Uma resposta foi enviada poucos dias depois, confirmandoo recebimento da mensagem, enviando o padrão de contato humano com a língua terrestre e umapergunta adicional: Vocês estão se aproximando da Terra? Podem vir ao planeta?Isso deve ter gerado certa confusão nos invasores, pois a resposta deles foi um misto de confirmaçãoe ultimato, pedindo a rendição da planeta e afirmando que sim, pousariam o mais cedo possível.Jaqueline riu baixo ao ler a transcrição e retornou imediatamente: coordenadas terrestrespara o encontro de embaixadores, um guia da cultura e dos hábitos humanos, a completa rendiçãodo planeta e outro pedido – dessa vez quase implorando – para que pousassem logo.A réplica mostrou como o invasor foi pego de surpresa: uma nova declaração de guerra – dessavez ligeiramente mais ameaçadora – seguida poucos minutos depois pela confirmação da rendição eo tempo previsto até o pouso na Terra. Eles estavam tão habituados com espécies rejeitando a rendiçãoque enviaram automaticamente a primeira mensagem, sequer leram o texto INICIAL! A disparidadeentre mensagens tão próximas foi a prova de que tudo estava correndo maravilhosamente bem.A aproximação da força desbravadora dos Katel do sistema Terra-Lua mostrou quão acertado erao estratagema britânico: cento e vinte enormes naves de batalha variando entre mil a dois mil metros dediâmetro, cobertas por torres de canhões como espinhos em um abacaxi. Mesmo os poucos militaresque foram contrários ao plano tiveram que admitir a realidade implacável. Enquanto as naves tomavamposições estratégicas que permitiam cobrir todo o globo com uma chuva de projéteis e raios, um transportepartiu da capitânia rumo a Terra, entrando calmamente na atmosfera sobre a Rússia.Jaqueline Hawker daria cinco anos de sua vida para saber o que se passava na cabeça doinvasor nesse instante. Mais por curiosidade, pois tinha confiança absoluta no plano. Reuniu suatrupe de vigaristas em um grande campo próximo a Achinsk e esperou calmamente a chegada doembaixador Katel. Seu coração batia forte quando a nave aproximou-se e pousou em silêncio.A tensão no ar continuou enquanto uma abertura surgia e uma rampa desceu lentamente, por ondedesembarcou um pequeno grupo de seres. Humanoides altos e encorpados, com a pele ligeiramenteamarelada, cabeças peludas absurdamente redondas, olhos negros parecendo botões, uma boca fina semlábios debaixo de um nariz pequeno, quase uma fenda. O alienígena na ponta do grupo ergueu a mãocom quatro dedos e falou com voz estridente, imediatamente traduzida por um aparelho na sua vestimenta:— Sou o representante dos Katels, Soberana do Universo, e em nome de nosso povo aceitosua rendição. Ficamos felizes com o fim das hostilidades e garanto que todos serão bem tratados,inclusive os que lutaram na guerra. Começa agora uma era de paz entre nossas espécies.E baixou a mão, ficando parado como uma estátua. Jackie torcia as mãos atrás das costas empuro êxtase, contendo a gargalhada que teimava em sair. O idiota repetiu a única fala que conheciapara o primeiro contato, como se tivesse havido uma guerra. Ele sequer percebeu! A pequenamulher sentiu-se terrivelmente maquiavélica quando virou-se e acenou para as centenas de atores,dando sinal para começar a encenação.A multidão explodiu em gritos felizes e entusiasmados, batendo palmas e sorrindo alegres parao “invasor”, que encarava tudo visivelmente confuso. Jackie deu passos rápidos, aproximando-se doKatel, radiante de felicidade. Sua voz era a encarnação do entusiasmo quando falou apressada:SE NÃO PODE VENCÊ-LOS...121
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