Stanton. Aonde vocês querem chegar? — Hora de chutar o pau da barraca, pensou o britânicoenquanto respirou fundo.— Queremos mostrar que tudo isso, todas essas ideias, já foi pensado e utilizado centenas devezes, não por nós, mas pela incontável lista de civilizações que foram implacavelmente esmagadaspelos Katels, sem qualquer cerimônia. E estamos falando de espécies com um nível tecnológicomuito superior ao nosso, capacidades que sequer conseguimos sonhar e frotas dezenas de vezesmais poderosas. Como podemos esperar que a Terra terá sucesso onde milhares falharam? Loucura,simplesmente loucura! Temos a melhor das intenções e estamos tentando fazer aquilo para quefomos treinados, mas nosso destino é o fracasso, não importa o que decidirmos.E sentou-se sem pressa. Jaqueline tremia discretamente ao seu lado, excitada para dar otoque final em sua cena tão bem planejada. Os três semestres no curso de teatro feitos na suaadolescência nunca foram tão úteis, e ainda salvariam o mundo, ah sim. Levantou-se e, do alto deseu um metro e cinquenta de altura, disse, segura e convicta:— Agora, a alternativa em que ninguém pensou, e nisso incluo os incontáveis mundos queforam atropelados pelos Katels. Lutar é inútil; fugir é aceitar a derrota e abandonar a Terra; resistirsomente vai retardar o fim por alguns dias. Há somente uma opção. Vamos oferecer, de bom gradoe com um enorme sorriso no rosto, a rendição do planeta.Se Stanton achava que a gargalhada poucos minutos antes tinha sido ruidosa, ele estava totalmenteenganado. A palavra “rendição” para os militares tem o mesmo efeito que uma stripper dentrode um concílio papal. Nem um único militar entre a centena de representantes permaneceu sentado,muito menos em silêncio. E o que dezenas gritavam para a pequena mulher já seria motivo para umaséria crise diplomática. Mas Jackie sequer se mexeu, permanecendo serena s sorridente, indiferente àconfusão. Mais uma vez o presidente do conselho teve muito trabalho para apaziguar os ânimos.Quando o silêncio voltou, dessa vez com o ar muito mais carregado de hostilidade, ele dirigiu umolhar zangado à representante britânica e perguntou educadamente, mas num tom gelado:— Podemos saber no que a rendição difere de todas as propostas levantadas, já que o resultadoé o mesmo? Não estamos aqui para discutir como SALVAR a Terra? E vocês propõem entregála!Afinal de contas, senõrita Hawker, vocês enlouqueceram?A última afirmação foi dita com um pouco mais que reprovação. Jackie sorria sem pudores,feliz da vida.— Ao contrário, meu bem, muito ao contrário. Estamos bem conscientes de nossa ideia etemos certeza de que não é a melhor alternativa, é a única. E sabem por quê? Porque fizemos alição de casa, queridos. Seguimos o velho e bom conselho do mestre, do que temos mais próximodos Katels, o nosso estrategista que também nunca, nunca, nunca perdeu uma guerra!— E onde está esse guerreiro perfeito, que vai nos salvar miraculosamente com uma rendiçãovergonhosa? — O general russo mal conseguia dizer a palavra.Jaqueline enfiou a mão na pasta sobre a mesa e puxou algo raro nos dias atuais: um velho livroimpresso, cansado por décadas de manuseio e cheio de anotações feitas por gerações de soldados dafamília Hawker. Levantou alto para que todos pudessem ver a peça de museu. Dezenas de rostos seiluminaram com sorrisos ao ver o título da obra, principalmente os chineses. A arte da guerra.— Infelizmente o guerreiro perfeito não está entre nós, e faz um bom tempo. Mas pessoassensatas aprendem com os acertos e os erros alheios, e acredito que aprendi um pouquinho comestas palavras. A principal lição, e que cai como uma luva para nossa crise, é bem simples: “Mos-118MARCELO JACINTO RIBEIRO
tre-lhe apenas aparências e simulações”. Há outra, ainda melhor: “A melhor vitória é a que acontecesem necessidade de combate”. Não é realmente lindo?Dezenas se entreolharam confusos e questionavam secretamente a sanidade da jovem, quesorria alegre. O burburinho descontente logo surgiu e foi crescendo com certa velocidade, até serinterrompido pelo presidente do conselho. Ele nem tentou esconder a raiva:— Sabemos as histórias de sua família, senõrita Hawker, e de como ela serviu à Inglaterra eao seu povo por gerações, desde o tempo do Império. Não acha que os seus antepassados estão serevirando no túmulo?Novamente Jaqueline ignorou a provocação.— Sim, eu sei, é difícil de assimilar depois de tanto tempo pensando na glória do combate.Também foi complicado para mim, entender essa lição. Na verdade, foi um insight que tive ao ouviras transcrições do embaixador Pis’krit pela milionésima vez, acho. Foi quando perguntamos como osKatels tratavam seus adversários derrotados; afinal de contas, esse é nosso destino de qualquer jeito.— Ele foi bem específico nesse ponto — continuou Jackie —, garantindo com todas as letras egestos de sua tromba preênsil: o invasor tem um elevado código de honra, que exige respeito com oadversário caído, os civis são poupados e na medida do possível até recebem algum tipo de auxílio,no caso comprovado de danos causados durante a batalha. Não há extermínios, roubos, humilhações,vandalismos; em suma, eles são uns lordes que se contentam em chutar a porta da sala, sentar emnosso sofá e comer tudo da despensa enquanto assistem esportes na holotela, antes de cair fora e fazero mesmo com o próximo vizinho. Mas tudo com muito respeito e civilização! Não é lindo?— O.k., agora tenho absoluta certeza de que você enlouqueceu mesmo! Quer um calmante?Dos fortes, é claro. — A fala do representante americano gerou poucos risos, menos do que Jackieesperava, sinal de que estava indo bem. Continuou ignorando a todos e falou com mais ênfase.— Foi nesse instante que tudo fez sentido, como peças de um quebra-cabeça que se encaixam pormágica. Lutar é inútil, todos que fizeram isso perderam; fugir ou render-se é inútil, já que perderemos oplaneta de mesmo jeito. Sim, eu sei, falei que devemos nos render, mas ainda não disse COMO fazerisso. E justamente nesse ponto está a chave não apenas da sobrevivência, mas da vitória! Os Katelspodem ser os fodões do universo com sua armada invencível, mas eles tem um terrível ponto fraco, quevamos explorar sem pena, que vai fazê-los fugir da Terra como o diabo foge da cruz, com o rabo entreas pernas. Eles são uma espécie honrada e civilizada, bem diferente de nós, humanos.Jackie se preparou para o grand finale.— Pois enquanto eles seguem as regras e jogam bonitinho, nós vamos fazer o que a espéciehumana faz melhor: vamos mentir, enganar, dissimular e trapacear miseravelmente, vamos serfalsos e sujos, tão baixos que teremos vergonha de nos encarar no espelho pelo próximo século,mas vamos vencer e chutá-los pAra fora da Terra!Stanton viu quando várias pessoas tiveram um estalo e entenderam a proposta maluca, sorrindode orelha a orelha. Foi como um rastilho de pólvora, que quando aceso segue implacável atéa explosão final. Agora os risos eram mais baixos e lentos, claramente sádicos. O presidente doconselho encarava os britânicos com um olhar curioso, ao que Jaqueline respondia em silêncio,rígida e severa. Foi o representante alemão quem quebrou o silêncio:— Essa ideia absurda e sem honra... Que tal mais detalhes?Jackie relaxou e sorriu alegremente, com um brilho maldoso no rosto.SE NÃO PODE VENCÊ-LOS...119
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