Jean Piaget no século XXI - Faculdade de Filosofia e Ciências ...
Jean Piaget no século XXI - Faculdade de Filosofia e Ciências ...
Jean Piaget no século XXI - Faculdade de Filosofia e Ciências ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
J E A N P I A G E T N O S É C U L O X X I<br />
[...] ser pessoal consiste em “situar-se”, o que não impe<strong>de</strong> que, para se situar, seja<br />
preciso primeiramente “instruir-se”. Para educar a auto<strong>no</strong>mia na criança, portanto,<br />
é útil “educá-la” cientifi camente. Mas não basta, para isso, submetê-la à socieda<strong>de</strong><br />
adulta, e fazê-la compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fora as razões <strong>de</strong>sta submissão: a auto<strong>no</strong>mia é<br />
um po<strong>de</strong>r que só se conquista <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e que só se exerce <strong>no</strong> seio da cooperação.<br />
(PIAGET ([1932], 1994, p. 276).<br />
Ainda sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a intervenção levar ao <strong>de</strong>srespeito pelo outro,<br />
na sua singularida<strong>de</strong>, <strong>Piaget</strong> sublinha – como disse – que ser um indivíduo respeitado<br />
implica colocar-se <strong>no</strong> lugar do outro. E, para isso, a educação – que é uma forma <strong>de</strong><br />
intervenção – é condição necessária, embora insufi ciente.<br />
Outro aspecto está na circunstância <strong>de</strong> que ele, ao reconhecer as diferenças,<br />
acaba por tomá-la como condição necessária ao estabelecimento da reciprocida<strong>de</strong>. Tal<br />
aspecto, seguindo a tradição kantiana, signifi ca que não se tem que necessariamente<br />
fazer igual ao que os outros fazem ou concordar acriticamente com <strong>de</strong>terminada lei,<br />
mas buscar a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista.<br />
Conclui-se, <strong>de</strong>ssa maneira, que <strong>Piaget</strong> reconhece e legitima a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong><br />
diferença, evi<strong>de</strong>ncia o perigo em tomá-la em si mesma e avança, ao enfatizar que<br />
a diferença apenas faz parte do processo que leva à coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> discursos e <strong>de</strong><br />
ações e, em <strong>de</strong>corrência, ao <strong>de</strong>senvolvimento social. Se não fosse assim, <strong>Piaget</strong> não<br />
teria criticado o fato <strong>de</strong> Durkheim admitir uma única origem da moral, <strong>no</strong> caso, a<br />
socieda<strong>de</strong>. Muito me<strong>no</strong>s discordaria <strong>de</strong> Bovet, quando acreditava que a auto<strong>no</strong>mia<br />
seria <strong>de</strong>corrente do po<strong>de</strong>r exercido por personalida<strong>de</strong>s superiores.<br />
Vê-se, <strong>no</strong>vamente aqui, o quanto <strong>Piaget</strong> leva em conta a diferença e, mais do<br />
que isso, a respeita. Por causa disso, ele – apesar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar, em linhas gerais, as<br />
teorias <strong>de</strong> Durkheim e <strong>de</strong> Bovet semelhantes – sublinha a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> bem como origem<br />
da moral autô<strong>no</strong>ma e procura introduzir a razão como único elemento capaz <strong>de</strong><br />
produzir personalida<strong>de</strong>s autô<strong>no</strong>mas.<br />
É por esse motivo que se torna problemático aceitar o discurso <strong>de</strong> que a razão<br />
aniquila a diferença. Pelo contrário! A razão oferece as condições para o estabelecimento<br />
<strong>de</strong> um diálogo genuí<strong>no</strong>, em que as diferenças são respeitadas. Traduzindo: como<br />
afi rma Savater (1998), a razão <strong>no</strong>s possibilita agir como se amássemos o outro (isto<br />
não quer dizer que tal competência <strong>no</strong>s leve a apresentar conduta correspon<strong>de</strong>nte,<br />
cabe sublinhar). Afi nal, quando amamos alguém, entre outras condutas, procuramos<br />
<strong>no</strong>s <strong>de</strong>dicar ao outro, colocarmo-<strong>no</strong>s <strong>no</strong> lugar <strong>de</strong>le e compreendê-lo.<br />
Isso não signifi ca, do ponto <strong>de</strong> vista moral, que se <strong>de</strong>ve nutrir tal sentimento<br />
por ele. Afi nal, as pessoas não precisam se amar para viver <strong>de</strong> maneira harmoniosa, em<br />
149