Jean Piaget no século XXI - Faculdade de Filosofia e Ciências ...
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J E A N P I A G E T N O S É C U L O X X I<br />
o professor dando aula, presenciei as ações do arqueólogo retirando os resíduos da<br />
ossada que acabara <strong>de</strong> encontrar, tateei o teclado do pia<strong>no</strong>, senti o odor do alimento<br />
sendo preparado na cozinha, apalpei a pele aveludada do pêssego, etc. Isso pertence<br />
à experiência física se <strong>no</strong>s ativermos aos aspectos materiais <strong>de</strong>ssas ações. Entretanto,<br />
elas só serão possíveis <strong>no</strong> nível da compreensão se fundadas por experiências lógicomatemáticas<br />
prévias.<br />
Entretanto, se colocarmos sementes numa fi la reta, as contarmos e<br />
encontrarmos <strong>de</strong>z; e, então, as espaçarmos e contarmos <strong>no</strong>vamente e, <strong>no</strong>vamente,<br />
encontrarmos <strong>de</strong>z; então, as colocarmos em círculo e contarmos e encontrarmos<br />
<strong>de</strong> <strong>no</strong>vo <strong>de</strong>z, não estaremos <strong>de</strong>scobrindo uma proprieda<strong>de</strong> das sementes, mas da<br />
ação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar. Descobrimos, então, uma proprieda<strong>de</strong> da ação do sujeito e não<br />
uma proprieda<strong>de</strong> da semente. “As sementes não possuem or<strong>de</strong>m. Foi a sua ação que<br />
introduziu um or<strong>de</strong>namento em fi leira ou circular, ou algum outro tipo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.<br />
[...] A or<strong>de</strong>m era a ação que ele [um matemático que relata um acontecimento <strong>de</strong><br />
sua infância] introduzia entre as sementes” (PIAGET, 1972, p. 3). Po<strong>de</strong>-se objetar<br />
que é da natureza das sementes <strong>de</strong>ixarem que se faça isso com elas. <strong>Piaget</strong> sugere,<br />
então, retrucando, que se faça isso com gotas d’água; “[...] duas gotas mais duas gotas<br />
não formam quatro gotas <strong>de</strong> água, como se sabe muito bem” (Id., p. 4). A água não<br />
<strong>de</strong>ixa que se faça com ela o que se faz com a semente. Para além <strong>de</strong>sse empecilho<br />
empírico, quantifi camos as gotas tal como quantifi camos as sementes. A gênese <strong>de</strong>ssa<br />
quantifi cação não po<strong>de</strong> ser atribuída à experiência empírica, embora ela não ocorra<br />
sem essa experiência.<br />
A lógica, que <strong>de</strong>fi ne a natureza das estruturas cognitivas, não extraída dos<br />
objetos mediante observação; nem da linguagem, on<strong>de</strong> se encontram formas lógicas<br />
complexas. “Creio que a lógica não é um <strong>de</strong>rivado da linguagem. A fonte da lógica<br />
é muito mais profunda.” (Id., p. 3). Muito antes do surgimento da função semiótica<br />
(PIAGET, 1978), a criança sensório-motora apresenta um respeitável sistema<br />
lógico que se manifesta como coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> suas ações. Como sustentar a tese<br />
neopositivista <strong>de</strong> que a lógica provém da linguagem? Ela provém das coor<strong>de</strong>nações<br />
gerais das ações; dito <strong>de</strong> outro modo, ela “É uma experiência das ações do sujeito<br />
e não uma experiência <strong>de</strong> objetos em si mesmos.” Id., p. 3). É isso que se chama <strong>de</strong><br />
experiência lógico-matemática, conceito oposto-complementar <strong>de</strong> experiência física.<br />
Contra a crença <strong>no</strong> associacionismo estímulo-resposta, po<strong>de</strong>-se acrescentar que<br />
o signifi cado <strong>de</strong> experiência vai se intensifi cando <strong>no</strong> <strong>de</strong>senrolar do <strong>de</strong>senvolvimento;<br />
na medida em que transita para fases mais complexas do sensório-motor, e para<br />
estádios mais avançados, a criança torna-se me<strong>no</strong>s repetitiva e mais intencional;<br />
aumenta sua consciência das <strong>no</strong>vida<strong>de</strong>s que o mundo ao redor apresenta.<br />
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