MUHM - Museu de História da Medicina
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
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MÉDICOS ALEMÃES, HÚNGAROS E AUSTRÍACOS NO RIO GRANDE DO SUL<br />
<strong>da</strong>s e finalmente enviados ao extermínio – uma página vergonhosa<br />
na história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e também na história <strong>da</strong><br />
<strong>Medicina</strong>.<br />
Não importava que entre eles houvesse quem se consi<strong>de</strong>rasse<br />
ateu, comunista, protestante, católico, ou que a<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica lhe fosse totalmente estranha e distante.<br />
Perplexos, tiveram que emigrar rapi<strong>da</strong>mente, enquanto possível.<br />
Muitos dos nossos alemães, austríacos e húngaros imigrantes,<br />
médicos ou não, se encontravam exatamente nessas<br />
condições. Quando aqui chegaram, permaneceram com suas<br />
opções anteriores <strong>de</strong> fé, cristã ou ju<strong>da</strong>ica, ou continuaram agnósticos<br />
ou se converteram <strong>de</strong>finitivamente à crença religiosa<br />
prepon<strong>de</strong>rante no Brasil, o cristianismo.<br />
Neste terceiro período <strong>de</strong> imigração alemã, chegaram ao<br />
Brasil perto <strong>de</strong> 25 mil imigrantes, entre eles os médicos alvos<br />
do nosso trabalho biográfico. Houve fortes restrições oficiais à<br />
entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> populações semíticas consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s “in<strong>de</strong>sejáveis”<br />
pelo governo brasileiro. Vale aqui lembrar a ação humanitária<br />
<strong>de</strong> diplomatas brasileiros que, mesmo colocando em risco sua<br />
segurança e seus cargos, emitiram vistos <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> a milhares<br />
<strong>de</strong> perseguidos: Luiz Martins <strong>de</strong> Souza Dantas na França e Aracy<br />
<strong>de</strong> Carvalho Guimarães Rosa em Hamburgo, na Alemanha.<br />
Vieram ao Rio Gran<strong>de</strong> do Sul nesta época imediatamente<br />
anterior à Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial ou logo após sua <strong>de</strong>flagração<br />
entre outros:<br />
ALEXANDRE PREGER (1901-1992). O velho e bom pai<br />
<strong>de</strong>ste autor – Herr Doktor Preger. Nasceu no início do século<br />
20, mais precisamente em 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1901, na capital<br />
do Império Germânico do Kaiser Guilherme II, Berlim, centro<br />
cultural <strong>da</strong> Europa, com 1,5 milhão <strong>de</strong> habitantes naquela<br />
época. Estudou profun<strong>da</strong>mente o grego e o latim. Em 1923,<br />
ingressou na Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>de</strong> Berlim. Defen<strong>de</strong>u tese<br />
<strong>de</strong> doutoramento que versou sobre o sistema ABO dos grupos<br />
sanguíneos do cientista austríaco Karl Landsteiner (Prêmio<br />
Nobel em 1921). Durante seu curso <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong>, foi aluno do<br />
professor <strong>de</strong> ginecologia e obstetrícia e bacteriologista Ernst<br />
Bumm; do cirurgião August Bier, que <strong>de</strong>senvolveu a anestesia<br />
raquidiana; <strong>de</strong> Wilhelm His, <strong>de</strong>scobridor do feixe <strong>de</strong> His,<br />
que conduz os estímulos elétricos no interior do músculo cardíaco;<br />
e <strong>de</strong> discípulos <strong>de</strong> Freud e Adler, pioneiros e baluartes<br />
<strong>da</strong> psiquiatria mo<strong>de</strong>rna. Assistiu a aulas práticas <strong>da</strong>s primeiras<br />
punções raquidianas efetua<strong>da</strong>s por His e Bier, um no outro,<br />
em sequência, e <strong>da</strong> primeira <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> cateterismo cardíaco<br />
coronariano, realiza<strong>da</strong> por Werner Forssmann (Prêmio<br />
Nobel em 1956) em si próprio. Formou-se em 1928 e logo<br />
começou a namorar minha mãe, Irma Klausner, morena <strong>de</strong><br />
olhos ver<strong>de</strong>s – uma rari<strong>da</strong><strong>de</strong> na Alemanha –, nos cafés <strong>da</strong> Kurfürsten<strong>da</strong>mm,<br />
galante aveni<strong>da</strong> <strong>de</strong> Berlim. Casaram-se em 13<br />
<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1931. Assim que foi excluído <strong>da</strong>s listas <strong>de</strong> médicos<br />
cre<strong>de</strong>nciados pelas Caixas <strong>de</strong> Assistência aos Doentes – as<br />
Krankenkassen, o equivalente ao nosso SUS – como resultado<br />
do boicote aos profissionais e estabelecimentos ju<strong>da</strong>icos em<br />
to<strong>da</strong> a Alemanha, ditado por lei <strong>de</strong> 1° <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1933, emigrou<br />
com to<strong>da</strong> a família, <strong>de</strong>sembarcando no Rio <strong>de</strong> Janeiro já<br />
em fins <strong>da</strong>quele ano. Iniciou suas provas <strong>de</strong> revali<strong>da</strong>ção do diploma<br />
<strong>de</strong> médico na Bahia e, para seu sustento, empregou-se<br />
como “propagandista” <strong>de</strong> laboratório farmacêutico, visitando<br />
os consultórios <strong>de</strong> colegas que conheciam a língua alemã. De<br />
conversa em conversa, apren<strong>de</strong>u o português. Em 1936, recebeu<br />
licença do interventor fe<strong>de</strong>ral do Estado, Flores <strong>da</strong> Cunha,<br />
para exercer a <strong>Medicina</strong> no interior do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, vindo<br />
a fixar-se na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>zinha <strong>de</strong> Corvo, hoje Colinas. Praticava<br />
a medicina generalista, aten<strong>de</strong>ndo a clientela infantil, adulta e<br />
idosa, <strong>de</strong> ambos os sexos, fazendo clínica, pediatria, geriatria,<br />
partos e intervenções cirúrgicas. Nas cirurgias, era assistido<br />
por algum colega <strong>da</strong>s redon<strong>de</strong>zas, especialmente pelo Dr. Alexandre<br />
Kovács, médico também imigrante, <strong>de</strong> origem húngara<br />
e que trabalhava em Roca Sales. A anestesia era realiza<strong>da</strong> pela<br />
dona Irma, que, por vezes, também servia <strong>de</strong> instrumentadora<br />
– equipe completa, portanto, como nos dias atuais. Permaneceu<br />
em Corvo durante três anos, vindo a exercer seu trabalho<br />
na capital, Porto Alegre. Moramos – neste ínterim, eu já havia<br />
nascido – inicialmente na Rua Pinto Ban<strong>de</strong>ira, bem próximo à<br />
Santa Casa, e mais tar<strong>de</strong> nos mu<strong>da</strong>mos para o Centro, à Av.<br />
Borges <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros, 453, no décimo an<strong>da</strong>r do Edifício Vera<br />
Cruz, recém-construído e on<strong>de</strong> meu pai também havia montado<br />
seu consultório, mais abaixo, no quinto an<strong>da</strong>r. Fumava<br />
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