MUHM - Museu de História da Medicina
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.
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<strong>Medicina</strong> e cari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
não ter por hora este pio Estabelecimento ren<strong>da</strong><br />
alguma, <strong>de</strong> maneira ain<strong>da</strong> quando concluído o hospital<br />
não possuirá meios <strong>de</strong> tratar os enfermos, a<br />
quem por hora não presta socorros alguns. A ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Rio Pardo, comparativamente com as outras<br />
que antes tenho mencionado, é pobre, e se não<br />
<strong>de</strong>senvolver muito o espírito <strong>de</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong> encontrará<br />
as maiores dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se levar a efeito o seu<br />
pensamento. 5<br />
Além do caráter <strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong> religiosa, as<br />
Misericórdias possuíam antigas e profun<strong>da</strong>s as relações com o<br />
Estado luso-brasileiro (ABREU, 2001). Com a instituição, fun<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
em 1803, em Porto Alegre não foi diferente. Sua história<br />
e existência estiveram estreitamente liga<strong>da</strong>s às conjunturas<br />
políticas e sociais <strong>da</strong> província ao longo do século XIX. “As<br />
irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s caracterizam sempre o seu momento e o seu ambiente,<br />
<strong>da</strong>ndo origem à diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> formas, por um lado,<br />
e à flui<strong>de</strong>z e imprecisão <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>nominações por outro.”<br />
(BOSCHI, 1986, p. 13.) Tanto que a própria irman<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />
a dirigia somente passou a existir pela necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> capital<br />
<strong>da</strong> província em contar com um estabelecimento que servisse<br />
como espaço para o recolhimento, cui<strong>da</strong>do e amparo às “classes<br />
<strong>de</strong>svali<strong>da</strong>s”. Por outro lado, a presença <strong>de</strong> uma irman<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
liga<strong>da</strong> a um estabelecimento <strong>de</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong> vinha também ao<br />
encontro <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais dos habitantes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Porto Alegre na época, o que justifica sua prontíssima aceitação<br />
(WEBER, 1999).<br />
A Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia <strong>de</strong> Porto Alegre, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu<br />
início, <strong>de</strong>stinou-se ao compromisso <strong>de</strong> tratar “por cari<strong>da</strong><strong>de</strong> os<br />
enfermos pobres”, isto é, não se pretendia como uma instituição<br />
a serviço <strong>de</strong> todos. 6 Em 1814, lhe foi concedido o privilégio<br />
<strong>de</strong> utilizar o status <strong>de</strong> Misericórdia para po<strong>de</strong>r receber<br />
esmolas, legados e outros tipos <strong>de</strong> rendimentos e aplicar os<br />
recursos levantados na construção <strong>de</strong> um hospital. De acordo<br />
com a permissão concedi<strong>da</strong> pelo príncipe regente D. João, o<br />
estabelecimento seria sustentado com o produto <strong>de</strong> esmolas<br />
5 AHRS – Relatório dos Presi<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – A7.03 –<br />
Conselheiro José Antônio Pimenta Bueno (1850).<br />
6 Resolução <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> SCM. Ata <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1814 e <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 1815. CEDOP / SCMPA.<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo povo, mas este também recomen<strong>da</strong>va que o governador<br />
<strong>da</strong> capitânia “animasse, protegesse e favorecesse os empreen<strong>de</strong>dores<br />
<strong>da</strong> futura obra pia” (FRANCO; STRIGGER, 2003,<br />
p. 18). Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio, a Santa Casa esteve inextricavelmente<br />
liga<strong>da</strong> ao Estado – como outras instituições semelhantes<br />
em países católicos, os Hôtels-Dieu franceses (GOU-<br />
BERT, 1972), por exemplo – e muito embora não constituísse<br />
um órgão <strong>de</strong>ste ou fosse geri<strong>da</strong> como um órgão público, sua<br />
construção esteve inicialmente a cargo <strong>da</strong> Câmara Municipal<br />
<strong>de</strong> Porto Alegre, que foi responsável, inclusive, pela eleição <strong>de</strong><br />
sua primeira Mesa Diretora (FRANCO; STRIGGER, 2003).<br />
Dentro <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “animar, proteger e favorecer”, os<br />
governadores <strong>da</strong> capitania e, mais tar<strong>de</strong>, os presi<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong><br />
província fizeram inúmeros contratos com a Santa Casa. Esses<br />
contratos, no entanto, não somente foram uma constante<br />
fonte <strong>de</strong> tensão entre a Santa Casa e o governo, ao longo do<br />
século XIX, como revelam uma atuação bastante diversifica<strong>da</strong><br />
por parte dos diferentes provedores. Os contratos <strong>de</strong> serviços<br />
que a Santa Casa prestaria ao governo – cui<strong>da</strong>do dos presos<br />
pobres enfermos e dos menores do Arsenal <strong>de</strong> Guerra 7 , “hospe<strong>da</strong>gem”<br />
<strong>da</strong> enfermaria do hospital militar, fornecimento <strong>de</strong><br />
medicamentos para o Exército e para as ambulâncias <strong>de</strong>ste e<br />
criação dos expostos 8 – foram geralmente acor<strong>da</strong>dos por provedores<br />
que, ao mesmo tempo, eram também presi<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong><br />
província.<br />
A existência <strong>de</strong> tais encargos, no entanto, foi pivô <strong>de</strong> contínuas<br />
negociações entre a Mesa Diretora do estabelecimento,<br />
a presidência e a Assembleia Provincial, que era continuamente<br />
solicita<strong>da</strong> a subscrever recursos ca<strong>da</strong> vez maiores para compensar<br />
os inúmeros encargos colocados “sobre os ombros <strong>da</strong> pia<br />
instituição”. 9 Nesse sentido, também as reações dos representantes<br />
do governo eram diferencia<strong>da</strong>s. Enquanto alguns acolhiam<br />
as reclamações <strong>da</strong> Santa Casa e <strong>de</strong>man<strong>da</strong>vam maiores<br />
auxílios por parte <strong>da</strong> Assembleia Provincial 10 , outros acreditavam<br />
7 Os menores do Arsenal <strong>de</strong> Guerra eram meninos que, expostos na Santa Casa, ao<br />
chegarem aos 7 anos eram recolhidos como aprendizes elo Exército.<br />
8 Esta era inicialmente uma obrigação <strong>da</strong> Câmara Municipal que, mais tar<strong>de</strong>, em<br />
1837, foi passa<strong>da</strong> à Santa Casa.<br />
9 AHRS – Relatórios dos Presi<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – A7.03 –<br />
Conselheiro José Antonio Pimenta Bueno (1850).<br />
10 AHRS – Relatórios dos Presi<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – A7.02 –<br />
Luiz Alves Leite <strong>de</strong> Oliveira Bello (1852) e também A7.03 – João Lins Vieira Cansansão<br />
<strong>de</strong> Sinimbú (1853).<br />
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