22.12.2016 Views

MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A medicina missioneira entre a ciência europeia e os saberes nativos<br />

puro <strong>da</strong> Europa e manipulados na América, já que entre os<br />

objetos que foram arrolados estavam: “Yt. dos forneles viexos<br />

con sus pies <strong>de</strong> hierro quebrados […]; Yt. dos pequeñitos <strong>de</strong><br />

cobre el uno con un pie menos, que tasaron en dos pesos:<br />

se advierte que el <strong>de</strong>l Pie menos es <strong>de</strong> hierro” (AHUNC, caja<br />

10, legajo , n. 27, Fólio 4577). Segundo o inventariante, os<br />

instrumentos estariam em um estado <strong>de</strong> conservação muito<br />

precário, porém, isso não anula sua utilização ao longo dos<br />

séculos XVII e XVIII.<br />

Ao realizarmos o comparativo entre a presença <strong>de</strong> fármacos<br />

químicos em Córdoba e nos pueblos missioneiros, fica<br />

claro que havia nestas regiões uma imensa dispari<strong>da</strong><strong>de</strong> no que<br />

se refere ao acesso a tais produtos. Os inventários dos pueblos<br />

<strong>de</strong> Mártires e Apóstoles não fazem qualquer referência<br />

a fármacos químicos, assim como as Cartas Ânuas. O único<br />

indicativo que emerge <strong>da</strong> documentação se encontra na Materia<br />

medica misionera, porém, as parcas referências apenas<br />

reforçam a diferença entre as regiões observa<strong>da</strong>s.<br />

Na obra do irmão Montenegro são quatro as citações feitas<br />

a produtos químicos, mas somente uma <strong>de</strong>las se encontra<br />

no corpo <strong>da</strong> obra. Em um tratamento para pedras dos rins e<br />

bexiga, a receita recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> incluía “un pollo algo gran<strong>de</strong>,<br />

añadiendole unas raices <strong>de</strong> peregil, <strong>de</strong> borraja, achicoria, <strong>de</strong><br />

esparragos, y inojo” (MONTENEGRO, [1710], 1945, p. 407).<br />

O elemento químico utilizado, que seria o cremor tártaro 18 ,<br />

servia como substitutivo do sal no dito composto.<br />

As outras três referências aparecem em uma seção que<br />

se encontra ao final do tratado, sob o título: “Otras Curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Recetas Sueltas”. Conforme indicamos em nossa dissertação,<br />

po<strong>de</strong>mos aventar que tais receitas não fossem parte dos<br />

conhecimentos adquiridos e testados por Montenegro, mas<br />

antes curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s complementares à obra, medicamentos<br />

que provavelmente não teriam sido a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente testados.<br />

As receitas sugeri<strong>da</strong>s são um remédio para a calvície que incluía<br />

a pedra infernal 19 , um vomitivo à base <strong>de</strong> prata e o chamado<br />

árbol <strong>de</strong> diana 20 .<br />

18 Creme <strong>de</strong> tártaro; bitartarato <strong>de</strong> potássio KC4H5O6.<br />

19 Pedra infernal era o nome pelo qual era conhecido o nitrato <strong>de</strong> prata; AgNO3.<br />

20 A receita do dito árbol inclui uma série <strong>de</strong> produtos químicos, como segue: “Se<br />

forma <strong>de</strong> este modo: – Se disuelve una onza <strong>de</strong> plata con 2 ó 8 onzas <strong>de</strong> espiritu<br />

<strong>de</strong> nitro: avaporase esta disolucion á fuego <strong>de</strong> arena hasta consumirse cerca <strong>de</strong><br />

la mitad, lo que resta se mezcla en bazo proporcionado con 20 onzas <strong>de</strong> agua<br />

A circulação <strong>de</strong> produtos, obras e saberes entre América<br />

e Europa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>scobrimento <strong>da</strong> América já é lugar comum<br />

na historiografia atual, com diversos trabalhos relevantes.<br />

21 Para avançarmos com os estudos sobre o tema, nos parece<br />

importante verificar como se <strong>de</strong>u aquilo que chamamos<br />

<strong>de</strong> “níveis <strong>de</strong> circulação”, ou seja, como e em que extensão<br />

se <strong>de</strong>u a distribuição dos fármacos que chegavam <strong>de</strong> outros<br />

continentes, assim como as trocas que se realizavam <strong>de</strong>ntro<br />

do próprio continente americano. Quando melhor compreen<strong>de</strong>rmos<br />

como esses recursos circularam pelo continente, se<br />

tornará mais fácil também enten<strong>de</strong>r a forma <strong>de</strong> atuação dos<br />

diversos sujeitos que foram parte <strong>de</strong>sse universo, assim como<br />

o avanço <strong>da</strong> ciência durante aquele período:<br />

A diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ambientes e condições <strong>de</strong>ntro<br />

do mesmo continente acabava por gerar espaços<br />

completamente diferentes <strong>de</strong> atuação. As limitações<br />

encontra<strong>da</strong>s pelos pueblos missioneiros para a<br />

aquisição <strong>de</strong> medicamentos vindos <strong>da</strong> Europa po<strong>de</strong><br />

ter sido um dos motivadores <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Montenegro.<br />

Tal constatação não apenas confirma que os<br />

jesuítas se valeram dos conhecimentos indígenas,<br />

como revela a aplicação <strong>de</strong> concepções médicas<br />

<strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> provenientes <strong>da</strong> Europa (POLETTO,<br />

2014, p. 129).<br />

A principal similitu<strong>de</strong> entre os inventários do território<br />

português e espanhol foram as referências constantes aos chamados<br />

autores clássicos. Os principais referenciais <strong>da</strong> <strong>História</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, a saber, Hipócrates, Galeno e Dioscóri<strong>de</strong>s (botânica),<br />

foram citados em Córdoba e no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Alguns<br />

autores, apesar <strong>de</strong> estarem mais próximos cronologicamente<br />

comun muy clara, y dos onzas <strong>de</strong> azogue, <strong>de</strong>jando <strong>de</strong>spues esta mistura en reposo<br />

por 40 dias, en este espacio <strong>de</strong> tiempo se bá formando un arbol <strong>de</strong> plata con<br />

bastante analogia á los naturales” (MONTENEGRO, [1710], 1945, p. 413).<br />

21 Destacamos aqui: KURY, L. B. Homens <strong>de</strong> ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação<br />

<strong>de</strong> informações (1780-1810). <strong>História</strong>, Ciências, Saú<strong>de</strong> – Manguinhos, Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, v. 1, n. 1, p. 109-129, 2004; ANAGNOSTOU, Sabine. The international<br />

transfer of medicinal drugs by Society of Jesus (sixteenth to eighteenth centuries)<br />

and connections with the work of Carolus Clusius. Royal Netherlands Aca<strong>de</strong>my<br />

of Arts and Sciences, 2007, p. 293-312; EDLER, F. C. Plantas nativas do Brasil nas<br />

farmacopeias portuguesas e europeias séculos XVII - XVIII. In: KURY, Lorelai (org.).<br />

Usos e circulação <strong>de</strong> plantas no Brasil (séculos XVI - XIX). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Andrea<br />

Jakobsson Editora, p. 94-137, 2013.<br />

MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - <strong>MUHM</strong>: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje 31

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!