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MUHM - Museu de História da Medicina

Um acervo vivo que faz ponte entre o ontem e o hoje.

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Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> quem tenha sido o primeiro médico<br />

negro a se formar pela renoma<strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>da</strong> UFRGS, já que outras trajetórias po<strong>de</strong>rão surgir a partir dos<br />

aprofun<strong>da</strong>mentos e dos questionamentos <strong>de</strong> outros pesquisadores<br />

que se atenham a i<strong>de</strong>ntificar e a trazer dos “silêncios”<br />

<strong>da</strong> história <strong>de</strong>stacados personagens negros e negras, enfatizase<br />

que a ação concretiza<strong>da</strong> no Memorial do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, no ano <strong>de</strong> 2006, propiciou um vínculo i<strong>de</strong>ntitário entre<br />

os médicos Luciano Raul Panatieri e Veridiano Farias. Contato<br />

que não <strong>de</strong>ve ter ocorrido entre ambos, mas que, por meio <strong>da</strong><br />

narrativa proposta, será estabelecido.<br />

A IDENTIDADE NEGRA COMO ELO ENTRE<br />

LUCIANO PANATIERI E VERIDIANO FARIAS<br />

A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra é entendi<strong>da</strong>, aqui, como uma construção<br />

social, histórica, cultural e plural. Implica a construção<br />

do olhar <strong>de</strong> um grupo étnico/racial ou <strong>de</strong> sujeitos que pertencem<br />

a um mesmo grupo étnico/racial, sobre si mesmos, a<br />

partir <strong>da</strong> relação com o outro. Construir uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra<br />

positiva em uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que, historicamente, ensina aos<br />

negros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, que para ser aceito é preciso negarse<br />

a si mesmo é um <strong>de</strong>safio enfrentado pelos negros brasileiros<br />

(GOMES, 2005).<br />

A <strong>de</strong>limitação espaço-temporal <strong>de</strong>ste artigo correspon<strong>de</strong><br />

aos finais do século XIX a meados do XX, período <strong>da</strong> colonização<br />

dos territórios africanos, do pós-abolição no Brasil em<br />

consonância com as trajetórias pessoais e públicas <strong>de</strong> Luciano<br />

Panatieri (1897-1972) e <strong>de</strong> Veridiano Farias (1906-1951) no<br />

estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

A trajetória dos indivíduos negros torna-se relevante diante<br />

do contexto atual <strong>da</strong>s ações afirmativas e <strong>da</strong> Lei 10.639/03.<br />

Decretos e programas, surgidos pelas pressões dos movimentos<br />

negros, que instituíram a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um “novo olhar”<br />

na produção do conhecimento e do ensino que contemplem a<br />

história social e cultural <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra.<br />

Antes, era vista somente como uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> vincula<strong>da</strong><br />

à escravidão, sem agências intelectuais, em que pese o reconhecimento<br />

às organizações <strong>de</strong> fugas e dos quilombos. Atualmente,<br />

constituíram-se outras possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> negra, não somente pelos <strong>de</strong>cretos citados, mas,<br />

principalmente, pelas revisões históricas, que permitem outras<br />

abor<strong>da</strong>gens além <strong>da</strong>quelas tradicionais, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s sem movimentos,<br />

sem relações familiares e comunitárias, e que <strong>de</strong><br />

certa forma fixaram a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra a um discurso colonial<br />

<strong>de</strong> inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>nominado estereótipos. 5<br />

Problematizar, mesmo que brevemente, os indícios <strong>da</strong>s<br />

trajetórias <strong>de</strong>stes personagens, formados no curso <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong><br />

<strong>de</strong> uma universi<strong>da</strong><strong>de</strong> pública, é contribuir para o reconhecimento<br />

positivo <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra como agente <strong>de</strong> sua<br />

história.<br />

Mas quais foram os possíveis obstáculos pessoais e sociais<br />

enfrentados por estes dois homens negros para ingressar<br />

no curso <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> e como ambos <strong>de</strong>senvolveram suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

profissionais em um período tão próximo do pós-abolição<br />

em Porto Alegre, no estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul?<br />

Para respon<strong>de</strong>r a estas questões, convém relacionar a<br />

trajetória individual <strong>de</strong>stes personagens com o contexto histórico<br />

vivenciado pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> negra no estado e no mundo.<br />

6 Através <strong>de</strong> análises dos discursos (ORLANDI, 2001) <strong>de</strong><br />

entrevista oral, <strong>da</strong>dos biográficos relacionados aos impressos e<br />

as correspondências pessoais coteja<strong>da</strong>s com uma bibliografia<br />

pertinente, serão interpretados, por meio dos conceitos relacionados<br />

à i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra, os problemas enunciados. 7<br />

Acredita-se que o estigma sofrido pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> negra<br />

no pós-abolição tenha sido um dos <strong>de</strong>safios enfrentados por<br />

Luciano Raul Panatieri (1897-1972) e Veridiano Farias (1906-<br />

1952), tanto para conquistar seus diplomas quanto para exercer<br />

a sua profissão.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>staca-se que ambos optaram por enfrentar<br />

<strong>de</strong> maneira diferente a sua condição i<strong>de</strong>ntitária, provavelmente<br />

<strong>de</strong>vido às origens familiares, vincula<strong>da</strong>s às i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

5 Estereótipos, conforme Homi Bhabha (2007), geram a fixação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Aos olhos do estigma, os grupos inferiores na escravidão carregam, mesmo<br />

após a libertação, o peso <strong>da</strong> representação outrora cria<strong>da</strong>.<br />

6 Agra<strong>de</strong>ço a Ana Maria Panatieri, Angela Beatriz Pomatti e Jane Rocha <strong>de</strong><br />

Mattos pela disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> com as fontes.<br />

7 Para Orlandi (2001, p. 10), no momento em que o sujeito diz o que diz, ele se<br />

assume como autor. Seus sentimentos, seus <strong>de</strong>sígnios, suas expectativas e sua<br />

<strong>de</strong>terminação são i<strong>de</strong>ntificados. O sujeito é <strong>de</strong>terminado pela exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>, pela<br />

formulação discursiva, passível <strong>de</strong> contradições. Relatos e manuscritos produzidos<br />

serão interpretados neste trabalho a fim <strong>de</strong> examinar as trajetórias <strong>de</strong>stes dois<br />

médicos negros.<br />

MUSEU DE HISTÓRIA DA MEDICINA - <strong>MUHM</strong>: um acervo vivo que se faz ponte entre o ontem e o hoje 159

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